Religioso trinitário, Reformador, Santo
1561-1613
Reformador dos Trinitários
14 de Fevereiro
A intrépida Santa Teresa d’Ávila, passando por Almodavar del Campo durante a epopéia de suas fundações, hospedou-se na casa de Marcos Garcia e Isabel Lopez. O casal pediu-lhe que desse uma bênção aos seus numerosos filhos. Fixando os olhos sobre o pequeno João, disse-lhe a reformadora: “Estuda bem, Joãozinho, porque tu me imitarás um dia”. O que queria ela dizer? Numa segunda visita àquela casa, Santa Teresa pediu para ver novamente as crianças. Pondo a mão na cabeça de João Garcia, ela foi desta vez mais precisa: “Tendes aqui um filho que se tornará um grande santo. Ele será o pai e diretor de muitas almas e reformador de uma grande obra, que se conhecerá oportunamente”. De fato, ele correspondeu às predições da reformadora do Carmelo.
João Garcia nasceu no dia 10 de julho de 1561 naquela cidade, sendo assim conterrâneo e coetâneo de outro grande santo, São João de Ávila. Desde o berço foi inclinado à piedade; sua mãe, para aplacar o choro comum nas crianças, apenas mostrava-lhe uma imagem da bendita Mãe de Deus, para logo ele sorrir embevecido.
Aos 10 anos de idade João Garcia já era um asceta: passou a usar um cilício no corpo, a tomar diariamente a disciplina e a comer de modo muito frugal. O mais impressionante para nós, do século XXI, é que isso tudo era feito com conhecimento dos pais, que nele viam uma alma eleita. Passou a dormir em uma prancha de madeira, tendo como travesseiro uma pedra. Um dia o pai, vendo-o nesse leito de penitência, caiu em prantos. Pegando o pequeno nos braços, levou-o para seu próprio leito, sem resistência. Mas, tão logo o pai adormeceu, levantou-se e voltou para sua prancha e sua pedra. Assim agindo, seguia as luzes do Divino Espírito Santo.
Exercia uma caridade extrema para com os pobres. Certo dia, deu a própria camisa a um mendigo que sofria febre e frio. Logo que este vestiu a camisa, viu-se curado.
Na universidade, conhecido como “o santo rapaz”
Aos nove anos João Garcia soube que uma santa havia consagrado sua virgindade a Deus. Correu então a lançar-se aos pés de uma imagem da Virgem das virgens, e pediu-lhe que aceitasse também sua virgindade, concedendo-lhe a graça de viver sem a mais leve mancha.
João Garcia fez com brilho seus primeiros estudos com os carmelitas descalços de sua cidade, e o curso universitário em Baeza. Sua piedade atraía as atenções, e seus condiscípulos o conheciam como o santo rapaz. Mas nem todos. Sempre onde está o bem, aparecem os maus para odiá-lo e persegui-lo, como aconteceu com Nosso Senhor. Em certa ocasião alguns de seus companheiros de pensão, libertinos, procuraram provocá-lo com injúrias e sarcasmos. Como ele se mantivesse calmo e infenso às impertinências dos colegas, estes introduziram no quarto uma mulher de má vida para induzi-lo ao pecado. João Garcia, praticando de modo exímio as virtudes da castidade e da fortaleza, escarrou na face da miserável e foi para a catedral, indo lançar-se aos pés de uma imagem milagrosa de Nossa Senhora, renovando nessa oportunidade seu voto de virgindade.
Religioso trinitário por inspiração divina
Ainda adolescente, resolveu entrar o quanto antes para um convento. Mas tinha dúvidas entre os carmelitas descalços, então em seu primitivo fervor, e os trinitários, fundados alguns séculos antes por São João da Mata e São Raimundo de Peñaforte, mas que estavam infelizmente decadentes. Quando rezava para que Deus o inspirasse a fazer aquilo que fosse para sua glória, ouviu distintamente uma voz dizendo-lhe que daria mais glória a Deus entrando nos trinitários, o que fez aos 19 anos de idade.
Em seu noviciado, João Garcia teve por mestre o Beato Simão de Rojas. Embora por humildade não quisesse tornar-se presbítero, os superiores, vendo seus dotes tão extraordinários, o obrigaram a preparar-se para o sacerdócio. “Tinha recebido do Céu um talento tão raro, que Lope de Vega o chamava ‘o mais belo gênio da Espanha’; adquiriu tantos conhecimentos, que o Pe. Entrade, jesuíta, assegurava ser ele ‘o homem mais erudito do seu século’”[1], o que não é dizer pouco numa época em que os grandes espíritos não eram raros. Por sua eloqüência, seus confrades o comparavam a São João Crisóstomo e a São Bernardo de Claraval.
Frei João Garcia freqüentemente foi alvo de ataques dos demônios. Certa vez lançaram-no num poço, mas seu Anjo da Guarda o amparou na queda e o trouxe à tona. Também foi vítima dos homens. Em Sevilha, entregara-se à conversão de um grupo de mouros. Alguns deles se converteram, mas a maioria não. Tentaram mesmo matá-lo, envenenando sua comida. O religioso fez o sinal da cruz sobre o alimento, que se cobriu imediatamente de vermes. Os infiéis tentaram então assassiná-lo, mas Deus o protegeu, nada sofrendo.
Reformador da Ordem dos Trinitários
Frei João Garcia levava uma vida santa entre os trinitários quando, em 8 de maio de 1594, um capítulo geral reunido em Valladolid, para combater a decadência da Ordem, decretou que em cada província dela houvesse dois ou três conventos nos quais se praticasse a regra primitiva, como Santa Teresa o fizera no Carmelo. Frei João Garcia foi designado para o de Valdepeñas.
Entrou para essa reforma no início de 1597. Eleito superior, restabeleceu a regra primitiva, fez com que os religiosos trocassem o nome de família pelo de um santo — ele tomou o de João Batista da Conceição — e fez com que se observasse a vigília de todas as festas da Santíssima Virgem.
Em sua reforma encontrou inúmeros obstáculos por parte dos religiosos, que não queriam viver uma vida de penitência. Por isso viajou a Roma para obter a sanção do Santo Padre. No caminho, parou em Florença, onde vivia Santa Maria Madalena de Pazzi, para consultá-la sobre seus projetos. Ela lhe predisse muitas provas que o esperavam, mas afirmou-lhe que, por fim, ele venceria.
Dois grandes santos o ajudam em sua obra
Em Roma seus superiores o haviam precedido e minado o terreno, de maneira que ele se viu praticamente só. Não totalmente, pois recebeu o conforto e amparo de dois grandes santos: São Camilo de Lellis, fundador dos camilianos, e o grande São Francisco de Sales, então bispo eleito de Genebra, e que fora a Roma receber a sagração episcopal. Também este santo lhe predisse os sofrimentos pelos quais teria que passar, e que Deus abençoaria seus esforços. Quase dois anos depois, finalmente, o Papa concedeu o Breve de aprovação dos Trinitários Descalços e Reformados, autorizando-os a se erigir em uma nova Ordem, com superiores separados e constituição distinta.
De volta à Espanha, Frei João Batista entrou na posse do convento de Valdepeñas. Mas à noite os religiosos antigos, que haviam deixado o convento por rejeitarem a reforma, invadiram o prédio, amarraram o santo com cordas e o arrastaram pelo claustro. Quiseram mesmo lançá-lo num poço, mas depois, dado seu estado de fraqueza, resolveram colocá-lo na prisão. Enfim, na manhã seguinte, temendo a repressão do poder civil, esses péssimos religiosos libertaram seu superior e fugiram.
Frei João Batista ficava assim só, com sua reforma. Mas em breve a Providência suscitou novos súditos, e logo se lhe juntaram 16 frades desejosos de uma vida mais perfeita.
Após ter feito um ano de noviciado juntamente com os frades fiéis, Frei João Batista pronunciou de novo seus votos. A reforma assim estava salva.
Convencido de que, para um religioso de sua ordem, deve haver uma proteção contra dignidades contrárias ao espírito de humildade que deveriam seguir, obteve do Papa que, aos três votos de obediência, pobreza e castidade, fosse acrescentado um quarto, pelo qual não podiam procurar, nem mesmo indiretamente, nenhuma dignidade. Nesse sentido, pode-se ler em suas obras: “É claro que, se eu te amo, Senhor, não devo querer nesta vida nem honra nem glória, mas sim padecer por teu amor”. Esse voto, em vez de afastar os candidatos, atraiu muitas vocações.
Em poucos anos foram fundados oito conventos da reforma, e em 1605 Frei João Batista foi eleito Provincial.
Quando da fundação do convento de Madrid, muitos de seus religiosos, julgando-o muito severo, pediram ao Núncio Apostólico um visitador para temperar os rigores da regra. O novo Provincial os reuniu, pôs-se de joelhos diante deles, desnudou o dorso e lhes disse: “Se eu sou a causa dessa tempestade, lançai-me ao mar, eu o consinto. Batei em minha espádua, eu a abandono a vossos golpes. Mas eu vos conjuro: salvai a reforma”. O visitador nomeado rendeu os mais entusiastas elogios ao santo, que retomou seu ofício de superior.
Milagres portentosos ainda em vida
Citamos aqui apenas um dos numerosos milagres do santo, em vida, pelo seu aspecto pitoresco. Na construção de certo convento, um pedreiro levava enorme pedra ao alto dos andaimes, quando perdeu o equilíbrio e caiu com a pedra. Frei João Batista, levantando a mão, gritou: “Em nome do Altíssimo, parem!”. Tanto o pedreiro quanto a pedra pararam no ar, após o que, a uma nova ordem do santo, começaram a descer suavemente até atingir o solo.
Enfim, Frei João Batista da Conceição, gasto pelos inúmeros trabalhos e penitências, chegou ao termo de sua vida. Com apenas 52 anos de idade, rendeu sua alma a Deus no dia 14 de fevereiro de 1613, exclamando: “Senhor, vós bem sabeis que eu fiz tudo que pude para executar vossas ordens”.
Plinio Maria Solimeo
Outras obras consultadas:
- Pe. João Croisset, Año Cristiano, Saturnino Calleja, Madrid, 1901, tomo 1º., pp. 550 e ss.
- Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A. O., Braga, 1993, vol. 1º., pp. 223 e ss.
- Dr. D. Eduardo Maria Vilarrasa, La Leyenda de Oro, L. González Y Compañia, Barcelona, 1896, tomo 1º. pp. 432 e ss
[1] Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo 2º., p. 518.
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