sábado, 10 de setembro de 2011

JOÃO GABRIEL PERBOYRE

Presbítero, Mártir, Santo
 +1840
João Gabriel Perboyre nasceu em 5 de janeiro de 1802, em Mongesty (França), numa família de agricultores, numerosa e profundamente cristã. Era o primeiro dos oito filhos do casal, sendo educado para seguir a profissão do pai.
Mas o menino era muito piedoso, demonstrando desde a infância sua vocação religiosa. Assim, aos quatorze anos, junto com dois de seus irmãos, Luís e Tiago, decidiu seguir o exemplo do seu tio Jacques Perboyre, que era sacerdote. Ingressou na Congregação da missão fundada por São Vicente de Paulo para tornar-se um padre vicentino ou lazarista, como também são chamados os sacerdotes desta Ordem.
João Gabriel recebeu a ordenação sacerdotal em 1826. Ficou alguns anos em Paris, como professor e diretor nos seminários vicentinos. Porém seu desejo era ser um missionário na China, onde os vicentinos atuavam e onde, recentemente, Padre Clet fora martirizado.
Em 1832, seu irmão, Padre Luís foi designado para lá. Mas ele morreu em pleno mar, antes de chegar nas Missões na China. Foi assim que João Gabriel pediu para substituí-lo. Foi atendido e, três anos depois, em 1835, chegou em Macau, deixando assim registrado: "Eis-me aqui. Bendito o Senhor que me guiou e trouxe". Na Missão, aprendeu a disfarçar-se de chinês, porque a presença de estrangeiros era proibida por lei. Estudou o idioma e os costumes e seguiu para ser missionário nas dioceses Ho-Nan e Hou-Pé.
Entretanto foi denunciado e preso na perseguição de 1839. Permaneceu um ano no cativeiro, sofrendo torturas cruéis, até ser amarrado a uma cruz e estrangulado, no dia 11 de setembro de 1840.
Beatificado em 1889, João Gabriel Perboyre foi proclamado santo pelo Papa João Paulo II em 1996. Festejado no dia de sua morte, tornou-se o primeiro missionário da China a ser declarado santo pela Igreja.
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sexta-feira, 9 de setembro de 2011

NICOLAU DE TOLENTINO

Sacerdote agostiniano, Santo
1245-1305

Seus pais depois de muitos anos de matrimônio não tinham filhos, e para conseguir do céu a graça de que lhes chegasse algum herdeiro, fizeram uma peregrinação ao santuário de São Nicolau do Bari. No ano seguinte nasceu este menino e em agradecimento ao santo que lhes tinha conseguido o presente do céu, puseram-lhe por nome Nicolau.
Já desde muito pequeno gostava de se afastar do povo e ir-se a uma caverma orar. Quando já era jovem, um dia entrou em um templo e ali estava pregando um famoso frade agostiniano, o Padre Reginaldo, que repetia aquelas palavras de São João: "Não amem muito o mundo nem as coisas do mundo. Tudo o que é do mundo passará". Estas palavras o comoveram e se propôs a tornar-se religioso. Pediu ser admitido como agostiniano, e sob a direção do Padre Reginaldo fez seu noviciado nessa comunidade.
Já religioso o enviaram a fazer seus estudos de teologia e no seminário o encarregaram de distribuir esmola aos pobres na porta do convento. E era tão exagerado em repartir que foi acusado perante seus superiores. Mas antes de que lhe chegasse a ordem de destituição desse ofício, aconteceu que impôs suas mãos sobre a cabeça de um menino que estava gravemente doente dizendo: "Deus te curará", e o menino ficou instantaneamente curado. Desde então os superiores começaram a pesar que seria deste jovem religioso no futuro.
Ordenado de sacerdote no ano de 1270, fez-se famoso porque colocou suas mãos sobre a cabeça de uma mulher cega e lhe disse as mesmas palavras que havia dito ao menino, e a mulher recuperou a vista imediatamente.
Foi visitar um convento de sua comunidade e lhe pareceu muito formoso e muito confortável e dispôs pedir que o deixassem ali, mas ao chegar à capela ouviu uma voz que lhe dizia: "A Tolentino, a Tolentino, ali perseverará". Comunicou esta notícia a seus superiores, e a essa cidade o mandaram.
Ao chegar a Tolentino se deu conta de que a cidade estava arruinada moralmente por uma espécie de guerra civil entre dois partidos políticos, o güelfos e os gibelinos, que se odiavam até a morte. E se propôs dedicar-se a pregar como recomenda São Paulo. Oportuna e inoportunamente". E aos que não iam ao templo, pregava-lhes nas ruas.
A Nicolau não interessava nada aparecer como sábio nem como grande orador, nem atrair os aplausos dos ouvintes. O que lhe interessava era entusiasmá-los Por Deus e obter que cessasse as rivalidades e que reinasse a paz. O Arcebispo Santo Antonino, para ouvi-lo exclamou: "Este sacerdote fala como quem traz mensagens do céu. Prega com doçura e amabilidade, mas os ouvintes estalam em lágrimas para lhe ouvir. Suas palavras penetram no coração e parecem ficar escritas no cérebro do que escuta. Seus ouvintes suspiram emocionados e se arrependem de sua má vida passada".
Os que não desejavam deixar sua antiga vida de pecado faziam o possível para não escutar a este pregador que lhes trazia remorsos de consciência.
Um desses senhores se propôs ir à porta do templo com um grupo de amigos a boicotar um sermão do Padre Nicolau com seus gritos e desordens. Este seguiu pregando como se nada especial estivesse sucedendo. E de um momento para outro o chefe da desordem fez um sinal a seus seguidores e entrou com eles ao templo e começou a rezar chorando, de joelhos, muito arrependido. Deus lhe tinha tocado o coração. A conversão deste antigo escandaloso produziu uma grande impressão na cidade, e logo já São Nicolau começou a ter que passar horas e horas no confessionário, absolvendo aos que se arrependiam ao escutar seus sermões.
Nosso santo percorria os bairros mais pobres da cidade consolando aos aflitos, levando os sacramentos aos moribundos, tratando de converter os pecadores, e levando a paz aos lares desunidos.
Nas indagações para sua beatificação, uma mulher declarou sob juramento que seu marido lhe batia brutalmente, mas que desde que começou a ouvir o Padre Nicolau, mudou totalmente e nunca mais voltou a maltratá-la. E outras testemunhas confirmaram três milagres obrados pelo santo, o qual quando conseguia uma cura maravilhosa lhes dizia: "Não digam nada a ninguém". "Dêem graças a Deus, e não a mim. Eu não sou mais que um pouco de terra. Um pobre pecador".
Morreu em 10 de setembro de 1305, e quarenta anos depois de sua morte foi encontrado seu corpo incorrupto. Nessa ocasião lhe tiraram os braços e da ferida saiu bastante sangue. Desses braços, conservados em relicários, saiu periodicamente muito sangue. Isto tem tornado nosso santo ainda mais popular.
São Nicolau de Tolentino viu em um sonho que um grande número de almas do purgatório lhe suplicavam que oferecesse orações e missas por elas. Desde então dedicou-se a oferecer muitas santas missas pelo descanso das benditas almas. Possivelmente nos queiram pedir também esse mesmo favor as almas dos defuntos.
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MARIA EUTÍMIA ÜFFING

Religiosa, Beata
1914-1955

Nasceu a 8 de Abril de 1914 em Halverde, Steinfurt (Alemanha) e foi baptizada nesse mesmo dia com o nome de Ema.
Cresceu no ambiente tranquilo de um pequeno povoado e a sua numerosa família era profundamente religiosa, mas uma forma de raquitismo limitou o seu desenvolvimento físico, deixando-lhe uma saúde frágil para o resto da sua vida. Quando tinha 14 anos, sentiu o forte desejo de se consagrar a Deus como religiosa.
Estudava economia doméstica num hospital perto da sua casa e ali conheceu as Religiosas da Misericórdia de Monastério. Depois de ter obtido a autotização da sua mãe, foi admitida nesse instituto em 1934, onde recebeu o nome de Maria Eutímia e, a 15 de Setembro de 1940, emitiu os votos religiosos perpétuos.
Destinada para trabalhar como enfermeira no hospital de São Vicente em Dinslaken, cuidava dos doentes com grande amor, especialmente durante o duro período da segunda guerra mundial, cujos prisioneiros eram por ela curados. Todos ficavam admirados pela caridade e a amabilidade com que tratava cada um dos enfermos. Ela sabia que os prisioneiros de guerra deviam suportar grandes sofrimentos físicos e morais, e por isso demonstrava-lhes simpatia e carinho, preocupando-se que recebessem os sacramentos.
Depois da guerra, foi-lhe confiada a lavandaria do hospital e, três anos mais tarde, da casa-mãe e da clínica de São Rafael em Monastério, cargo este que aceitou com humildade, embora preferisse continuar a desempenhar a sua actividade apostólica nos hospitais. O seu trabalho era intenso e muito duro, mas ela encontrava sempre tempo para passar diante do Tabernáculo, intercendo junto de Deus com as suas orações por todos os que lho pediam.
Uma grave forma de cancro causou-lhe rapidamente a morte, depois de várias semanas de sofrimentos atrozes. Maria Eutímia faleceu no dia 9 de Setembro de 1955 e depressa começou a ser venerada por muitas pessoas, e não só na Alemanha.
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PEDRO BONHOMME

Sacerdote, Fundador, Beato
(1803-1861)

Em 1803, quando Pedro Bonhomme nasceu em Gramat, na familia de um ferreiro, a região do Quercy estava ainda marcada pelo transtorno do período revolucionário: o clero que restava, estava envelhecido. O Seminário Maior estava ainda fechado, e as necessidades apostólicas eram imensas nesta Região que contava com mais de 250.000 habitantes.
Bem cedo o jovem Pierre Bonhomme apaixonado por Jesus Cristo e motivado pela amplitude da missão de «salvar almas», decide tornar-se padre...
Tendo seu diploma de Bacharel em Letras, que ele obteve no Collège Royal de Cahors, entra no Seminário Maior, sendo ordenado padre em 1827.
A partir deste momento, ele dá prova de um dinamismo extraordinário:
– em Gramat abre um Colégio para meninos, e no ano seguinte abre um outro em Prayssac.
– presta uma valiosa ajuda aos padres das duas Paróquias de Gramat e funda o grupo das «Filhas de Maria», movimento de espiritualidade para as jovens.
Foi este seu primeiro trabalho, pois estava persuadido da necessidade da instrução e da educação humana e espiritual para os jovens, pois não havia escolas em Gramat.
Nomeado pároco de Gramat, descobre a miséria dos pobres, dos idosos e dos doentes e a precariedade dos meios para ajudá-los. Convida algumas jovens para trabalhar com ele, fazer as visitas, cuidar dos doentes, levando também um conforto espiritual. Rapidamente obtém a autorização da Prefeitura para construir um Asilo.
É deste empreendimento que nasce a Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Calvário!
Nesta época o Padre Bonhomme procura uma Comunidade de Religiosas para se ocupar do Asilo.
Como não encontra Irmãs para ajudá-lo, e vendo o fervor das jovens de seu grupo das «Filhas de Maria», convida algumas para se formarem e serem Religiosas. Esta proposição veio de encontro ao desejo dessas jovens de se consagrarem a Deus.
Quatro jovens de Gramat: Hortense e Adele Pradel, Cora e Mathilde Rousset, serão os primeiros elos de uma corrente que não se interrompeu até o dia de hoje.
Em Rocamadour, lugar de peregrinação marial, no Quercy, elas fazem um retiro de discernimento de oito dias. Ao terminar o retiro fazem seu primeiro engajamento. Após alguns meses de estágio em algumas Congregações Religiosas de Cahors, elas voltam a Gramat para viverem em comunidade e se colocarem a serviço dos pobres e das crianças.
Em 1835, elas pronunciam seus primeiros votos ...e trinta anos mais tarde, por ocasião da morte do Fundador, elas são mais de duzentas Irmãs e as comunidades se multiplicam na Região do Lot e além dele.
As Irmãs se colocam ao serviço:
— das crianças e dos jovens (catequese, instrução e educação...),
— das paróquias,
— dos pobres e dos doentes (cuidado a domicílio, obras sociais...),
— dos marginalizados da época (surdos e doentes mentais...).
Durante este tempo, o Padre Bonhomme realiza uma atividade transbordante a serviço das paróquias. Ele prega numerosas missões no Lot e no Tarn-et-Garonne: sessenta em dez anos. Estas missões duram de uma a três semanas. São muito bem sucedidas, tanto no aspecto da frequência, da participação, como no número de confissões e de conversões.
Foi durante estas pregações que cresceu sua fama de grande orador popular. A partir de um conteúdo bem clássico: as grandes verdades (morte, julgamento, pecado, inferno e paraíso, bem como dos dez mandamentos), sabia comover, fazer chorar e sobretudo converter e conduzir ao engajamento cristão numerosas pessoas de boa vontade e jovens para a Congregação. Ele prega no dialeto da região — o patois — com um imenso ardor sem se deixar reter pelas variações climáticas. Ele se revela um extraordinário ministro da Reconciliação.
Missionário do Quercy, é aos pés de Nossa Senhora de Rocamadour que ele vai buscar sua força e inspiração. Foi por sua intercessão que ele obteve sua cura quando ficou completamente afônico durante uma pregação na paróquia de Gramat.
Foi lá também, que a pedido do Abbé Caillau, Padre das Missões de França, e restaurador das Peregrinações ele inaugura em 1835 as Semanas Mariais do mês de setembro.
Antes de iniciar este trabalho missionário, o Padre Bonhomme, em 1836, retirou-se à Trapa de Mortagne, para fazer um retiro de discernimento sobre um apelo que ele sentia para a Vida Religiosa, particularmente para a Ordem dos Carmelitas. Ele queria levar consigo dois companheiros para fazerem o Noviciado e depois estabelecer em Gramat uma comunidade de Carmelitas... Mas o Bispo de Cahors, Dom d'Haupoul se opôs ao projeto. O Padre Bonhomme obediente, se submete e colabora leal e ativamente com o grupo de missionários diocesanos estabelecido em Rocamadour, que foi inicialmente um projeto seu e ao qual o novo Bispo Dom Bardou, deu a coordenação a um outro: o Abade Jouffreau.
Após dez anos consagrados à renovação e evangelização das zonas rurais, em 1848, durante uma Missão em Puy l'Eêque, um vilarejo do Lot, ele perdeu definitivamente a voz e foi obrigado a renunciar à pregação.
Desapareceu o missionário diocesano, mas permaneceu o fundador e durante os últimos anos de sua vida, vai continuar a trabalhar para a Congregação e através dela, contribuir ainda para estender o Reino de Deus, pois atento aos sinais do Espirito, ele possui um senso agudo dos apelos e das necessidades de seu tempo.
A Congregação conta então com 61 Religiosas distribuidas em diversas comunidades implantadas nas paróquias rurais, para a educação das crianças e o cuidado dos doentes.
Em 1844 o Padre Bonhomme havia enviado uma comunidade para trabalhar no Hospital Psiquiátrico de Leyme. Nesta missão dificil e exigente, ele sustentou as Irmãs por suas numerosas visitas. Ele tomou consciência da realidade vivida pelos doentes mentais que a medicina daquele tempo não conseguia tratar como hoje. Estando em Paris, encontrou-se com o Doutor Falret, médico da Salpetrière que lhe pede Irmãs para se ocupar dos «ateliers» para pessoas convalescentes, indigentes, vindas de hospitais psiquiátricos. O Padre Bonhomme aceita prontamente esta proposta. As Irmãs chegam em Grenelle (Paris) no dia 1 de julho de 1836, para assumir esta missão.
Por sua doença da laringe, que o privava da voz, o Padre Bonhomme experimentou a dificuldade de comunicação com as pessoas que o rodeavam. Durante as missões, ele descobriu, nas vilas, algumas pessoas surdas, privadas da comunicação e da instrução que se mantinham afastadas da sociedade. O fato de ter perdido a voz, o torna ainda mais sensivel aos surdos. Ele deseja fazer alguma coisa para poder se comunicar com eles, tornando-os acessiveis à Palavra de Deus o para fazê-los compreender o Amor de Deus.
Em outubro de 1854, ele abre a primeira escola para educação dos surdos em Myrinhac-Lentour (Lot), e em 1856, ele envia Irmãs a Paris, à rua de Postes, para fundar uma obra de surdos, a pedido do Abbé Lambert, capelão do instituto Imperial dos Surdos.
Durante este último período de sua vida, o Padre Bonhomme trabalha na redação das Constituições do Instituto que ele colocou sob a proteção de Nossa Senhora do Calvário, dando-lhe Maria ao pé da Cruz, por Mãe e Modelo.
Ele introduz as Constituições por um comentário das Bem-Aventuranças. Ele mesmo fundou sua vida sobre o Evangelho e escreveu: «Meu modelo será Jesus Cristo. Gosta-se de assemelhar-se a quem se ama».
Este apaixonado de Jesus Cristo suportou a provação, a perseguição na sua cidade natal, onde não lhe foram poupadas nem críticas nem calúnias, nem caçoadas durante os primeiros anos de seu ministério. Esse sofrimento o marcará profundamente... Ele é de uma grande sensibilidade, delicado nas suas amizades e compassivo na dor. Está em comunhão com a Paixão de Cristo que celebra na Via Sacra; devoção que ele introduziu em várias paróquias, durante as missões.
Sua confiança para com Maria o conduziu muitas vezes em peregrinação a Rocamadour, com o terço na mão. «Meu apoio, meu tudo diante de Deus, sois vós Santa Virgem Maria... Eu coloco minha salvação em vossas mãos...».
Esta era sua oração! Pensamos como deve ter sido seu último contato com Maria, quando foi a pé a Rocamadour, para dizer-lhe adeus, três dias antes de sua morte!
A tarde de 9 de setembro de 1861 é para ele a hora do Reencontro com Aquele a quem ele deu toda a sua vida!
Bem-aventurado Pierre Bonhomme, testemunha de Jesus Cristo.
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TIAGO LAVAL

Sacerdote, Beato
(1803-1864)
No Domingo, 29 de Abril de 1979, quando da beatificação, o então Papa João Paulo II que a Igreja elevou depois às honras dos altares, dizia na sua homilia:

«Aleluia! Aleluia! Neste terceiro domingo de Páscoa, a nossa alegria pascal exprime-se como eco da alegria transbordante dos Apóstolos que, desde o primeiro dia, reconheceram Cristo ressuscitado. Na tarde da Páscoa, “Jesus apresentou-se no meio deles”. Mostrou-lhes “as suas mãos e os seus pés”. Convidou-os a apalparem-no com as próprias mãos. E comeu diante deles (Cfr. Lc. 24, 36-42). Assombrados, com dificuldade em acreditar, os Apóstolos acabaram afinal por O reconhecer: Alegraram-se ... vendo o Senhor (Jo. 20, 20; Lc. 24, 41) ; e desde então ninguém lhes pôde tirar a alegria (Cfr. Jo. 16, 22), nem levá-los a deixarem de prestar testemunho público (Cfr. Act. 4, 20). Alguns instantes mais cedo, os corações dos discípulos de Emaús estavam-lhes a arder dentro, quando Jesus lhes falava pelo caminho e lhes explicava as Escrituras; e tinham-n'O, eles também, reconhecido, no partir do pão (Cfr. Lc. 24, 32.35).
A alegria destas testemunhas é também a nossa, queridos Irmãos e Irmãs, nossa porque partilhamos da fé que eles tiveram em Jesus ressuscitado. Glorificado junto do Pai, não cessa de atrair os homens para Ele, de lhes comunicar a Sua vida, o Espírito de santidade, ao mesmo tempo que lhes prepara um lugar na casa do Pai. É precisamente esta alegria que hoje encontra brilhante confirmação, pois celebramos dois admiráveis Servos de Deus que, no século passado, brilharam na nossa terra com a santidade de Cristo; os quais pode a Igreja, a partir de agora, declarar bem-aventurados, propô-los ao culto particular e à imitação dos fiéis: o Padre Laval e o Padre Coll, que devemos agora contemplar.

Tiago Laval

É evidentemente impossível indicar aqui todos os factos notáveis da vida do Padre Tiago Laval e todas as virtudes cristãs que praticou em grau heróico. Fixemo-nos naquilo que e característico deste missionário, tendo em vista a missão actual da Igreja.
Primeiramente, o seu cuidado de evangelizar os pobres, os mais pobres; no caso, os seus “queridos Negros” da Ilha Maurício, como lhes chamava. Na sua França, começara por exercer a medicina numa vila da sua diocese natal de Évreux, mas pouco a pouco o chamamento a um amor sem partilhas ao Senhor, que ele algum tempo recalcara, levou-o a abandonar a sua profissão e a vida do mundo: “Fazendo-me padre, poderei fazer maior bem”, explicava a seu irmão (Cfr. biografia). Entrando como vocação tardia no Seminário de São Sulpício de Paris, neste foi logo encarregado do serviço dos pobres; depois, como pároco da pequena freguesia normanda de Pinterville, repartia tudo o que tinha com os necessitados. Mas, vindo a conhecer a miséria dos Negros da África e a urgência de os trazer a Cristo, conseguiu partir para a Ilha Maurício com o Vigário Apostólico, Monsenhor Collier. Durante 23 anos, até à morte, consagrou todo o seu. tempo, consumiu todas as suas forças e deu todo o seu coração a evangelizar os autóctones: sem nunca se cansar, soube ouvi-los, catequizá-los e fazer-lhes descobrir a própria vocação cristã. Muitas vezes interveio também para lhes melhorar a condição sanitária e social.
A tenacidade que mostrou não deixa de nos espantar, sobretudo nas condições desanimadoras da sua missão. Mas, no seu apostolado, teve sempre em vista o essencial. O que é certo é que o nosso missionário deixou após si inúmeros convertidos ou à fé ou à piedade sólida. Não era inclinado a cerimónias espalhafatosas, sedutoras para essas almas simples, mas que não dariam fruto duradoiro; nem tendia para arrebatamentos oratórios. O seu empenho educativo inseria-se muito na vida concreta, não se cansava de voltar continuamente aos pontos essenciais da doutrina e da prática da vida cristã; ao baptismo ou à primeira comunhão só admitia pessoas preparadas aos grupos, que tivessem dado boas provas. Muito se empenhou em colocar à disposição dos fiéis capelinhas espalhadas pela ilha. Outra iniciativa notável, que é também objecto do zelo de numerosos pastores de hoje: juntou a si colaboradores; homens e mulheres, como chefes de oração, catequistas, visitadoras e conselheiras dos doentes, responsáveis por comunidadezinhas cristãs; por outras palavras, juntava a si quem se ocupasse dos pobres, quem os evangelizasse.
Qual é então o segredo do seu zelo missionário? Encontramo-lo na santidade: no dom de toda a sua pessoa a Jesus Cristo, dom inseparável da sua ternura pelos homens, sobretudo pelos mais humildes, que desejava tornar participantes da salvação trazida por Cristo. Todo o tempo que não consagrava ao apostolado directo, passava-o a orar, sobretudo diante do Santíssimo Sacramento, e juntava continuamente à sua oração mortificações e penitências que muito impressionaram os seus irmãos de hábito, apesar da discrição e da humildade. Muitas vezes fala da pena que tem da sua tibieza espiritual — digamos antes, do sentimento da própria secura: não atribui ele precisamente o maior preço ao amor fervoroso de Deus e de Maria, no qual deseja iniciar os seus fiéis? Nisso está ainda o segredo da sua paciência apostólica: “É unicamente em Deus e na protecção da Santíssima Virgem que nós nos apoiamos” (Carta de 9 de Julho de 1853, cfr. biografia). Que confissão magnífica! A sua espiritualidade missionária tinha-se aliás inscrito, desde o princípio, no enquadramento dum novo instituto religioso e mariano, e sempre teve a peito seguir as exigências espirituais do mesmo, apesar da solidão e afastamento geográfico em que viveu: trata-se da Sociedade do Sagrado Coração de Maria, de que foi um dos primeiríssimos membros ao lado do célebre Padre Libermann; Sociedade que será pouco depois fundida com a Congregação do Espírito Santo. O apóstolo, hoje como ontem, deve primeiramente cultivar em si o vigor espiritual; e deve depois testemunhar aquilo que recebe continuamente da Fonte.
Aqui está um modelo para os evangelizadores. de hoje. Oxalá ele inspire os missionários, e, atrevo-me a dizer, todos os sacerdotes, que têm primeiramente a missão sublime de anunciar Jesus Cristo e formar a vida cristã.
Seja ele, a título especial, a alegria e o estímulo de todos os religiosos espiritanos, que não cessaram de implantar a Igreja, em particular na terra africana, e lá trabalham com tanta generosidade.
O exemplo do Padre Laval anime todos os que, no continente africano e fora dele, se esforçam por construir um mundo. fraterno, isento de preconceitos raciais. Seja também o Beato Laval o orgulho, o ideal e o protector da comunidade cristã da Ilha Maurício, hoje tão dinâmica, e de todos os Mauricianos. A estes votos, tenho o prazer de acrescentar uma saudação muito cordial à Delegação do Governo da Ilha Maurício, como também à do Governo francês, que vieram participar nesta cerimónia[1]

Dados biográficos

Jacques Désiré Laval nasceu a 18 de setembro de 1803 em Groth, distrito de Evreux, província de Normandia (França).
Sua mãe morreu pouco depois, e o pai confiou a educação de Tiago um tio Padre. Estudou medicina e praticou esta profissão durante algum momento.
Durante aqueles anos afastou-se da prática religiosa; mas algumas decepções e um acidente grave de equitação causaram o seu retorno e a ideia de se tornar sacerdote, idéia de que tinha acariciado antes de estudar medicina. Ele entrou para o seminário de São Sulpício em Paris e em 22 de Dezembro de 1838 recebeu a ordenação sacerdotal.
Depois de ter exercido o ministério de pároco, concebeu o projeto de fundar uma sociedade religiosa dedicada à pastoral junto negros e após a venda dos bens familiares e de tudo entregar à recem-nascida sociedade, partiu de Londres em 4 de Junho de 1841 para a ilha Maurício (Oceano Índico), que era então uma colônia britânica. Ele chegou em 15 de setembro e lá permaneceu até sua morte em 1864, entregando-se à evangelização dos povos de cor que ainda viviam na escravidão. Actualmente, os habitantes da ilha. agora independentes, consideram este ilustre missionário francês como um herói nacional e símbolo da unidade da ilha.
Afonso Rocha

[1] Homilia do Papa João Paulo II, durante a cerimónia de beatificação do Padre Jacques-Désiré Laval; Domingo, 29 de Abril de 1979.

PEDRO CLAVER

Jesuíta, Santo
1580-1654


o apóstolo dos escravos

Plinio Maria Solimeo
Discípulo de Santo Afonso Rodrigues, Pedro Claver tornou-se escravo dos escravos para conduzi-los ao Céu. Sua insigne caridade inclinou-o a atender toda necessidade espiritual e combater qualquer miséria moral. Sua festa comemora-se no dia 9 do corrente.
Certo dia Afonso Rodrigues — porteiro do Colégio da Companhia de Jesus na ilha espanhola de Palma de Maiorca, já então com fama universal de santidade — estava em oração, quando foi arrebatado em espírito e levado aos Céus. Viu ali, dispostos em círculo, muitos tronos de glória, ocupados por santos vestidos com brilhantes trajes reais. Em meio a eles havia um trono mais elevado, ainda vazio. Desejando compreender o significado dessa visão, o santo irmão leigo ouviu uma voz dizer-lhe que aquele trono estava preparado para Pedro Claver, como prêmio das muitas almas que ele, na América, deveria ganhar para Deus. A partir de então, Afonso Rodrigues procurou incutir em seu discípulo o desejo das missões, para que realizasse seu grande destino[1].

Congregado Mariano antes do noviciado

Uns dizem que os pais de Pedro Claver eram da mais alta nobreza, outros que não passavam de camponeses. Mas todos concordam em que eram muito virtuosos e receberam aquele filho como resposta às suas insistentes preces, prometendo consagrá-lo ao serviço de Deus. Também se diz que o pequeno Pedro “amava a virtude antes ainda de a conhecer”.
Alma predestinada, quando chegou a época de continuar seus estudos em Barcelona, no colégio dos jesuítas, entrou para a Congregação Mariana, a fim de obter a proteção de sua amada Senhora. Encontrando entre os filhos de Santo Inácio aquilo que sua alma procurava, pediu sua admissão na Companhia, sendo enviado a Tarragona para o noviciado.
Desde o primeiro dia mostrou determinação de ser Santo e de fazer-se missionário, escrevendo em seu diário: “Quero passar toda minha vida trabalhando pelas almas, para salvá-las e morrer por elas”.
Foi então que, enviado a Palma de Maiorca para estudar filosofia, encontrou Santo Afonso Rodrigues. “Apenas cruzou o umbral, o porteiro caiu de joelhos diante dele, beijou-lhe os pés e os cobriu de lágrimas. Turbado e confuso, o estudante ajoelhou-se também e, estreitando nos braços o leigo, o abraçou ternamente” [2]. “Interiormente esclarecidos sobre os méritos um do outro, eles se olharam com mútuo respeito, com a mesma confiança, o mesmo amor” [3].
Pedro pediu aos superiores para tomar o humilde irmão leigo, então com 73 anos, como seu diretor espiritual, e assim estabeleceu-se entre os dois um parentesco espiritual que marcaria por toda a vida o futuro apóstolo dos escravos. Foi por conselho de Afonso que Pedro pediu aos superiores para seguir como missionário para a América do Sul.
Para dirigir-se a Sevilha, de onde deveria partir, Pedro passaria muito perto da casa dos pais. Mas quis privar-se da alegria que teria em vê-los uma última vez, oferecendo a Deus o sacrifício pelo fruto de seu apostolado.
Durante os vários meses da incômoda viagem marítima, o futuro missionário quis cuidar dos doentes da tripulação. Sua humildade e bondade logo ganharam o coração de todos os marinheiros, de maneira que foi possível fixar uma hora por dia para explicar-lhes o catecismo e rezar depois o terço. Cessaram as blasfêmias, as más conversas, as rixas entre os rudes homens do mar.

Anjo protetor dos escravos

Cartagena de Índias, na atual Colômbia, era então um dos mais importantes centros comerciais espanhóis no Novo Mundo e principal porto negreiro. Nele chegavam mais de 10 mil escravos por ano, que eram confinados em verdadeiros pardieiros até serem adquiridos por algum senhor. Sua miséria material só encontrava símile na miséria moral.
A escravidão era considerada inteiramente normal na época. Eram vendidos nas costas da África, às vezes por gente de sua própria tribo, ou de outras das quais haviam se tornado escravos, como prisioneiros de guerra. Ao vir para a América, tinham uma vantagem que superava todos os infortúnios que sofriam: no novo continente poderiam conhecer a verdadeira Religião e salvar assim suas almas.
Foi aos negros que Pedro Claver dedicou-se desde o início de seu apostolado, auxiliando o Pe. Sandoval, que já fazia esse trabalho. Aos poucos tornou-se pai, consolador, enfermeiro e evangelizador desse povo sofredor. Para ele mendigava nas ruas de Cartagena sem o menor respeito humano, distribuindo depois, de acordo com as necessidades de cada um, o que tinha angariado.

Caridade apostólica vence a repugnância natural

Não é fácil em nossos dias aquilatar a heroicidade desse apostolado. Muito primitivos, vivendo numa degradação moral e perversão de costumes muito grande, além da brutalidade das paixões, esses negros viajavam de navio para o Novo Mundo em condições sub-humanas, como bestas. Além disso, parte deles contraía doenças durante a viagem, chegando cobertos de pústulas e maus odores. Pode-se compreender o estado de espírito rancoroso e arredio com que chegavam.
O Santo prestava-lhes os serviços mais repugnantes à natureza, com um amor, uma paciência e uma caridade de verdadeira mãe, em meio a um odor fétido, um calor insuportável e uma promiscuidade sem nome.

Conversão de centenas de milhares de escravos

Por meio de um intérprete, ensinava a esses infelizes o caminho da salvação, batizava-os, e depois empregava todos os meios para manter contato com eles, a fim de perseverarem no bom caminho.
Segundo o próprio Santo declarou antes de morrer, em 40 anos desse apostolado batizou mais de 300 mil negros.
Nos dias de preceito, Pedro Claver ia procurar esses filhos gerados por ele para a Igreja e os levava para assistir aos ofícios divinos.
Encontrando-os na rua, nunca deixava de lhes dizer alguma palavra edificante, algo que lhes fosse diretamente à alma. Aos velhos costumava dizer: “Pensa, meu amigo, que a casa já está velha e que ameaça arruinar-se. Confessa-te enquanto tens tempo e facilidade”.

Quarto voto: ser escravo dos escravos

E essa facilidade tinham os negros, pois São Pedro Claver, ao pronunciar seus votos de profissão, acrescentou um quarto, heróico, de se tornar o escravo dos escravos. Era todo deles. Por isso seu confessionário estava a eles reservado. Quando, devido à fama de sua virtude, nobres espanhóis conseguiam de seu superior uma ordem para que os ouvisse em confissão, ele os fazia esperar até terminar de atender a todos os escravos. E às vezes seu apostolado se fazia em condições tão incômodas, que chegava a desmaiar, sendo preciso reanimá-lo com vinagre.
Por uma espécie de carisma divino, tinha um conhecimento sobrenatural do perigo que corriam seus negros em agonia, e do destino de suas almas após a morte.

Ressurreição para receber o batismo

Assim, certo dia chega a uma casa onde uma negra acabava de morrer sem o batismo. O Santo se ajoelha junto dela e começa a rezar, dirigindo suas lágrimas ao Céu para fazer-lhe violência. De repente, a negra volta à vida durante o tempo suficiente para ser disposta a receber o batismo, tornando a falecer logo depois de purificada por esse Sacramento.
Outra vez, passando por uma rua com um companheiro, subitamente pede-lhe que espere um pouco, e entra numa casa. Lá encontra todos em pranto junto a uma moribunda prestes a expirar. O Santo tem tempo de ouvi-la em confissão e ministrar-lhe a última unção.
Certa vez, porém, ele chegou tarde e a doente já havia falecido. Entristecido, começou a rezar fervorosamente junto ao cadáver. Instantes depois seu olhar ilumina-se, e ele diz aos presentes: “Uma tal morte é mais digna de nossa inveja do que de nossas lágrimas. Essa alma foi condenada a apenas vinte e quatro horas de Purgatório; procuremos abre­viar sua pena pelo ardor de nossas preces”.

Condenados à morte: solicitude

Não eram só os negros que mereciam sua atenção, mas todos que estivessem em grande perigo de corpo ou de alma. Assim, interessava-se pelos encarcerados destinados à morte, preparava-os e os acompanhava até o lugar do suplício. Certa vez, acompanhava ao último suplício um certo Estevão Melão, condenado por homicídio e furto. Mas como o cargo de carrasco estava vacante, mandaram para executá-lo um maometano condenado às galés. Com a falta de prática, a corda rebentou três vezes, causando grande dor ao sentenciado. Pedro Claver acorreu cada uma das vezes, para reconfortá-lo com vinho e biscoitos. Depois também socorreu o maometano, confortando-o da mesma maneira. No dia seguinte este foi procurá-lo no colégio, para agradecer sua caridade, e de lá saiu convertido[4].
Também os condenados pela Santa Inquisição, os piratas e os hereges experimentavam seu zelo e comprovavam sua imensa caridade. Sua ação se exercia especialmente junto aos maus, para convertê-los. Ninguém podia resistir ao seu ardente apostolado.

Aflição pela imodéstia feminina

Uma das desordens que mais o afligia era a imodéstia das vestes femininas. E isso com os longos vestidos do século XVII! O que diria ele do seminudismo de hoje, com freqüência até na casa de Deus?
Apesar dessa imensa atividade em prol do próximo, sua regularidade na vida conventual não sofria detrimento. Era dos mais observantes e modelo para os outros.
Nos últimos quatro anos de sua vida foi atacado pelo mal de Parkinson, ficando com pés e mãos semiparalisados. Mesmo assim pedia que o carregassem até o confes­sionário.
São Pedro Claver faleceu em 8 de setembro de 1654, aos 74 anos.

[1] Cfr. Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial Apostolado da Oração, Braga, 1987, p. 33.
[2] Frei Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo III, p. 575.
[3] Les Petits Bollandistes, Bloud et Barral, Paris, 1882, p. 605.
[4] Cfr. Enriqueta Vila, Santos de América, Ediciones Moreton, S.A., Bilbao, 1968, p. 135.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

FREDERICO OZANAM

Leigo, Beato
(1813-1853)

Frederico Ozanam nasceu a 23 de Abril de 1813, em Milão (Itália). Filho de Jean-Antoine, médico prestigioso, cuja fama profissional não o impedia de assistir doentes indigentes, com o mesmo cuidado e afabilidade reservados aos pacientes da alta condição social, e de Marie Ozanam, também dedicada à assistência dos pobres e enfermos. Frederico respira desde o nascimento o profundo espírito de caridade compartilhado pelos seus pais.
Depois de uma infância muito protegida em Lião, Frederico entra no colégio em 1822 para começar os estudos secundários. Estudante brilhante e leitor insaciável, aos 17 anos conhece várias línguas: grego, latim, italiano e alemão, e inicia um curso de hebraico e sânscrito. De espírito sensível e preocupado, é apaixonado pelo estudo da Filosofia, consumindo-se com frequência numa investigação existencial e espiritual, que jamais abandonará.
Em 1831, Frederico, erudito jovem de província, chega a Paris para estudar na Sorbona. Em pouco tempo converte-se num assíduo frequentador dos ambientes intelectuais (entre os quais o salão de Madame Récamier) e começa a colaborar com jornais e revistas. Apesar da sua timidez e do comportamento simples, emergem com clareza tanto a sua profunda humanidade como o seu rigor moral: a sua imensa cultura, as suas opiniões actualizadas e o seu catolicismo empenhado tornam-no rapidamente uma personalidade relevante. Frederico dedica a sua formidável eloquência a moderar os debates sobre religião e política, num círculo literário estudantil chamado «Conferência de história», do qual é porta-voz. Certa tarde, depois de sair vencedor de um debate com um estudante socialista sobre o compromisso social dos católicos, anuncia a um amigo a intenção de realizar finalmente um projecto, que há tempo lhe era muito querido: uma «Conferência de caridade», uma associação de beneficência para a assistência dos pobres, «a fim de pôr em prática o nosso catolicismo».
Desta maneira, em Maio de 1833, com apenas 20 anos, Frederico funda, juntamente com seis companheiros, as Conferências de São Vicente de Paulo: «na época borrascosa em que nos encontramos, escreve ao seu amigo Ferdinand Velay, é bonito assistir à formação, acima de todos os sistemas políticos e filosóficos, de um grupo compacto de homens decididos a usar todos os seus direitos como cidadãos, toda a sua influência, todos os seus estudos profissionais, para honrar o catolicismo em tempos de paz e defendê-lo em tempos de guerra». Nenhum dos seus jovens fundadores podia imaginar o desenvolvimento que alcançaria esta pequena Sociedade benéfica, à qual Frederico se dedicaria, daí por diante, sem jamais poupar esforços.
Doutor em Direito (1836) e depois em Letras (1839), Ozanam inicia uma brilhante carreira universitária que o levará, em 1844, a tornar-se o titular da cátedra de Literatura Estrangeira na Universidade da Sorbona e a viver sem reservas a sua profunda vocação ao magistério.
Em 1841 casa-se com a jovem Amélie Soulacroix. Frederico Ozanam é, portanto, um homem profundamente inserido no seu tempo. Marido e pai, professor e literato, leigo comprometido, vive as diferentes dimensões da sua existência, com a mesma paixão e generosidade: vai pessoalmente aos bairros pobres de Paris e de outras cidades, promove a expansão das Conferências vicentinas no mundo, publica escritos históricos e literários, luta pela liberdade civil, política e religiosa, sofrendo pelos contrastes que dividem o mundo católico em facções políticas opostas, e tendo um coração cheio de ternura para com Amélie e Marie, sua filha. O seu caminho espiritual, sempre atormentado, conhece altos e baixos: Frederico julga não fazer o suficiente, e pede ao Senhor que o ajude a ser melhor, luta contra o orgulho até se esquecer do próprio valor.
Os primeiros sintomas do que seria uma grave infecção renal, confundida com uma enfermidade pulmonar, que o levaria lenta e dolorosamente a uma morte prematura, chegam-lhe de surpresa em 1846. Na tentativa de recuperar a saúde, Frederico passa algum tempo com a família na Itália, e é recebido em audiência por Pio IX. De retorno a Paris, Ozanam continua a dedicar-se, de corpo e alma, ao serviço dos seus alunos, ao jornal «Ere nouvelle», com o qual colaborou na sua fundação, aos pobres e aos trabalhadores.
A revolução de 1848 e o feroz debate no mundo político e católico só tornarão piores as suas condições de saúde. Em 1849, depois de ter sofrido um segundo ataque agudo do mal que o estava minando, Frederico começa a estar consciente do triste pressentimento. As suas actividades continuam de modo frenético. O seu anseio de conhecer e de participar leva-o a ignorar a dor física e, por vezes, até mesmo os conselhos dos médicos. Em Maio de 1853, de novo na Itália por motivo de saúde, a braços com a angústia de em breve ter que deixar os seus entes queridos, os sucessos profissionais e os debates políticos, mas pronto ao sacrifício, dirige-se a Deus: «Senhor, quero o que Tu queres, quero como o queres e por todo o tempo que o quiseres, quero-o porque Tu o queres».
Frederico Ozanam morreu na noite de 8 de Setembro de 1853, em Marselha, rodeado dos seus entes mais queridos, depois de uma agonia longa e dolorosa.
Este é o modelo de apóstolo leigo, erudito, empenhado e dedicado ao serviço dos mais pobres, que a Igreja apresenta a todos os fiéis, mas sobretudo aos jovens, durante a Missa presidida por João Paulo II, no dia 22 de Agosto, em Paris, na qual é beatificado Frederico Ozanam.
Digno de nota é o caso da cura milagrosa de uma criança brasileira, de apenas dezoito meses, afectada de uma grave forma de difteria, que nos primeiros dias de Fevereiro de 1926, em Nova Friburgo (RJ), obteve a graça por intercessão do Servo de Deus Frederico Ozanam. Esta cura foi reconhecida pela Junta médica da Congregação para as Causas dos Santos a 22 de Junho de 1995, e confirmada de modo unânime pelos Consultores teólogos, na reunião de 24 de Novembro do mesmo ano.

SÉRGIO I

Papa, Santo
+ 701

Nascido em Palermo, numa data desconhecida, Sérgio foi eleito papa em 15 de dezembro de 687. Logo em seguida, chegou da Bretanha o rei pagão Ceadwalla, soberano de Wessex, o qual desejava tornar-se cristão, recebendo o batismo diretamente das mãos do papa Sérgio I, adotando o nome de Pedro.
Sérgio I foi um papa muito popular, por ter sido um homem de fé, de oração. Antes de tornar-se sacerdote, já era famoso na Schola Cantorum. Depois de ordenado, tornou-se um personagem eminente do clero. Quando morreu o papa Cónon, em 687, foi indicado para sucedê-lo.
Naquela época, os imperadores romanos do Ocidente e do Oriente reclamavam para si a autoridade de pontífice, não aceitando estar abaixo do papa, mesmo em questões de fé. Os papas que iam contra essa exigência eram forçados a aceitá-la, ou morriam. Um exemplo foi o papa Martinho I, que foi morto pelo imperador do Oriente, Constante II.
Agora, Justiniano II, imperador do Oriente, desejava impor a Roma e a todos os cristãos as normas disciplinares adotadas em um concílio composto somente de bispos orientais, efetuado em Constantinopla. Assim, ele mandou o respectivo decreto para aprovação do papa Sérgio I.
Entre outras coisas, o decreto terminava com o celibato sacerdotal. Sérgio negou-se, terminantemente, a aprovar tal decreto. Justiniano, então, enviou um alto dignitário, Zacarias, para prendê-lo e deportá-lo a Constantinopla, a exemplo de Martinho I. Porém Zacarias foi recebido pelas milícias formadas pelo povo que tentava ajudar Sérgio. Eram milhares de pessoas revoltadas pelos desmandos do imperador que circundavam o palácio Lateranense, residência do papa.
Zacarias procurou fugir, porém foi preso pelas milícias. Sérgio foi em seu socorro, libertou-o e perdoou. Mandou que retornasse ao seu imperador, ileso. Justiniano nada podia fazer para combater a popularidade deste papa. A vontade de Roma permaneceu, bem como o celibato em toda a Igreja Católica.
Apesar desses acontecimentos, o pontificado de Sérgio I foi marcado pela paz religiosa, numa época de muitas divergências teológicas a respeito da pessoa e da natureza de Cristo. Em seus quatorze anos de pontificado, Sérgio I trabalhou para o enriquecimento da liturgia. Deve-se a ele o canto do "Agnus Dei" durante a missa.
Sérgio morreu aos 8 de setembro de 701 e foi sepultado na antiga basílica de São Pedro.
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NATIVIDADE DE MARIA

Onde nasceu Nossa Senhora?

Essa pergunta, versando sobre tema muito caro aos católicos, por diversas razões não encontra fácil resposta. A natividade da Virgem Santíssima é comemorada no dia 8 do corrente.
Para entender a escassez de informações nos primeiros séculos da Igreja, sobre a vida de Nossa Senhora, convém levar em conta as particularidades daquela época.
O mundo pagão, por efeito da decadência em que se encontrava, era politeísta, ou seja, os homens adoravam simultaneamente vários deuses. Os pagãos não achavam ilógico nem absurdo que houvesse várias divindades, ou que elas não fossem perfeitas. Pior ainda. Consideravam normal que os deuses dessem exemplo de devassidão moral, sendo, por exemplo, adúlteros, ladrões ou bêbados. Obviamente, nem todos os deuses eram apresentados como subjugados por esses vícios, mas o fato de haver vários deles nessas condições tornava imensamente árduo para os pagãos entender a noção católica do verdadeiro e único Deus, de perfeição infinita.
Por isso a primitiva Igreja teve muito cuidado ao apresentar Nossa Senhora como Mãe de Deus, pois aqueles povos, com forte influência do paganismo, rapidamente tenderiam a transformá-la numa deusa. Somente após a queda do Império Romano do Ocidente e a sucessiva cristianização dos povos começou a Igreja – que nunca negou a importância fundamental da Virgem Santíssima na história da salvação – a colocar Nossa Senhora na evidência que lhe compete e a exaltar suas maravilhas. E com isso, a fazer um bem indescritível às almas dos fiéis.
É fácil compreender por que nesse longo período, cerca de 400 anos, muitas informações a respeito da Santíssima Virgem tenham se perdido e outras se encontrem em fontes não inteiramente confiáveis. Não obstante, a Tradição da Igreja conservou fielmente aqueles atributos d’Ela que eram necessários para a integridade da fé dos católicos. O essencial foi transmitido, e, para um filho que ama sua Mãe, qualquer dado a respeito d’Ela é importante.
Entre esses dados, sobre os quais um véu de mistério permaneceu, está o local em que nasceu Nossa Senhora.

Belém, Seforis, ou Jerusalém

Três cidades disputam a honra de ter sido o local de nascimento da Mãe de Deus[1].
A primeira é Belém. Deve-se essa tradição ao fato de Nossa Senhora ser de estirpe real, da casa de Davi. Sendo Belém a cidade de Davi, foi essa a razão pela qual São José e a Virgem Santíssima – ambos descendentes do Profeta-Rei – dirigiram-se àquela localidade, por ocasião do censo romano que ordenava a todos registrarem-se no lugar originário de suas famílias. Por isso, o Menino Jesus nasceu em Belém, e é aclamado, no Evangelho, como Filho de Davi. O principal argumento dos que sustentam a tese de que Nossa Senhora nasceu em Belém encontra-se num documento intitulado De Nativitate S. Mariae, incluído na continuação das obras de São Jerônimo.
Outra tradição assinala a pequena localidade de Seforis, poucos quilômetros ao norte de Belém, como o local do nascimento da Virgem. Tal opinião tem como base que, já na época do Imperador Constantino, no início do século IV, foi construída uma igreja nessa localidade para celebrar o fato de ali terem residido São Joaquim e Santa Ana, pais de Nossa Senhora. Santo Epifânio menciona tal santuário. Os defensores de outras hipóteses assinalam que o fato de os genitores da Virgem Santíssima terem morado lá não indica necessariamente que Nossa Senhora haja nascido naquela localidade.
A hipótese que congrega maior número de adeptos é a de que Ela nasceu em Jerusalém. São Sofrônio, Patriarca de Jerusalém (634-638), escrevendo no ano 603, afirma claramente ser aquela a cidade natal de Maria Santíssima[2]. São João Damasceno defende a mesma posição.

A festa da Natividade

Na Igreja católica celebramos numerosas festas de santos. Havendo, felizmente, milhares de santos, comemoram-se milhares de festas. Ocorre que não se celebra a data de nascimento do santo, mas sim a de sua morte — correspondendo ao dia da entrada dele na vida eterna. Somente em três casos comemoram-se as festas no dia do nascimento: Nosso Senhor Jesus Cristo (Natal); o nascimento de São João Batista; e a natividade da Santíssima Virgem.
A festa da Natividade era celebrada no Oriente católico muito antes de ser instituída no Ocidente. Segundo uma bela tradição, tal festa teve início quando São Maurílio a introduziu na diocese de Angers, na França, em conseqüência de uma revelação, no ano 430. Um senhor de Angers encontrava-se na pradaria de Marillais, na noite de 8 de setembro daquele ano, quando ouviu os anjos cantando no Céu. Perguntou-lhes qual o motivo do cântico. Responderam-lhe que cantavam em razão de sua alegria pelo nascimento de Nossa Senhora durante a noite daquele dia[3].
Em Roma, já no século VII, encontra-se o registro da comemoração de tal festa. O Papa Sérgio tornou-a solene, mediante uma grande procissão.
Posteriormente, Fulberto, Bispo de Chartres, muito contribuiu para a difusão dessa data em toda a França. Finalmente, o Papa Inocêncio IV, em 1245, durante o Concilio de Lyon, estendeu a festividade para toda a Igreja.
Comemoração na atualidade
Por uma série de motivos curiosos, a festa da Natividade é celebrada muito especialmente na Itália e em Malta. Sendo o povo italiano muito vivo e propenso a celebrações familiares, não surpreende esse fato.
Em Malta, a principal comemoração da festa consiste numa solene procissão na localidade de Xaghra[4].
Na cidade de Florença, no dia da festa, numerosas crianças dirigem-se ao rio Arno levando pequenas lanternas, que são colocadas na água e lentamente vão atravessando a cidade.
Na Sicília, na localidade de Mistretta, a população celebra a festa representando um baile entre dois gigantes. À primeira vista, pareceria que isto nada tem a ver com o fato histórico. Mas ele corresponde a uma tradição: foi encontrada uma imagem de Santa Ana com Nossa Senhora ainda menina. Levada à cidade, a imagem misteriosamente retornou ao local onde havia sido achada, e os habitantes julgaram que só poderia ter sido levada por gigantes. Proveio dessa lenda o costume.
Em Moliterno, ao contrário, existe o lindo e pitoresco costume de as meninas da localidade fixarem pequenas candeias nos chapéus de seus trajes típicos. Em determinado momento desaparecem as outras luzes e só permanecem as das meninas, que executam uma dança regional.
Curiosamente, em muitas localidades as luzes desempenham papel determinante na festa. Podemos conjeturar uma razão para o fato: a Natividade de Nossa Senhora representou o prenúncio da chegada ao mundo da Luz de Justiça, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Valdis Grinsteins



[2] Nuevo Diccionario de Mariologia, Ediciones Paulinas.
[3] La fête angevine N.D. de France, IV, Paris, 1864, 188.