segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

JERÓNIMO EMILIANO - II

Convertido e penitente, modelo de caridade, Santo
1481-1537

8 de Fevereiro

Para opor-se às nefastas influências do Renascimento e do protestantismo no século XVI, a Providência suscitou uma plêiade de grandes Santos que agiram nos mais variados campos da actividade humana. Um deles foi São Jerónimo Emiliano, do patriciado de Veneza, senador da República, militar brilhante e valoroso, que tudo deixou para amparar e dar formação cristã aos órfãos das inúmeras guerras e pestes do tempo. Sua festa comemora-se a 8 de fevereiro.
Oriundo de uma família nobre que havia já dado ilustres membros à Igreja, ao Senado e às armas da Sereníssima República de Veneza, Jerónimo nasceu naquela cidade marítima em 1481. Seu pai, senador, tinha pouco tempo para dedicar à sua educação, que foi entregue à sua mãe. Piedosa e meiga, Dona Eleonora soube incutir no coração do menino profundas sementes de Religião, que mais tarde dariam fruto.
Mas foi o nobre amor às armas, herdado de seus antepassados, que teve a preferência do pequeno Jerónimo, de tal sorte que já aos 15 anos, pouco depois de perder o pai, ele se alistava no exército da República veneziana.
Participando de várias batalhas, foi sempre notado por seu valor e brio militar. Mas infelizmente sofreu a má influência da vida licenciosa, já então comum em quartéis e acampamentos. Más amizades ajudaram-no a deslizar insensivelmente pela rampa do vício, e Jerónimo entregou-se a muitos excessos. Um deles era o da ira, que chegava facilmente a verdadeiro furor. Se ele não caiu mais baixo, foi porque, aspirando aos mais altos cargos em Veneza, necessitava ter uma conduta honrosa.
O contínuo apelo às armas não lhe permitiu formar um lar. Ou melhor, Deus não o permitiu, porque tinha desígnios sobre ele.

No cárcere, ouve a  voz de Deus

Contava Jerónimo 28 anos quando, em 1508, os venezianos levantaram-se em armas contra a Liga de Cambrai, formada pelo Papa e pelos Reis Luís XII da França, Maximiliano da Alemanha e Fernando o Católico, da Espanha. A ele foi confiada a difícil defesa de Castelnuovo. Vendo a desproporção entre os dois exércitos, o governador da cidade fugiu, deixando-o com todo o ónus da defesa. Jerónimo negou-se a render-se, e lutou até que a praça fosse arrasada.
Em seguida, segundo o costume do tempo, ele foi preso numa torre, carregado de correntes no pescoço, braços e pés. O pior, porém, era a perspectiva da morte e o lento passar do tempo.
Nas intermináveis horas em que jazia no cárcere, a graça foi produzindo seus frutos em sua alma, e ele começou a lembrar-se dos ensinamentos de piedade e virtude recebidos em criança, e do bom exemplo dos irmãos e da mãe. Considerou a vida desordenada que levava, tão afastado de Deus, e acabou por julgar que era um merecido castigo aquele que lhe fora infligido. Pediu a Deus, pela intercessão de Nossa Senhora de Treviso, que o aceitasse como expiação e lhe desse uma oportunidade de reparar condignamente a vida passada.

Auxiliado por Nossa Senhora, foge da prisão

Apareceu-lhe então Nossa Senhora, que lhe deu as chaves de suas correntes e do calabouço. Auxiliou-o a sair da prisão sem ser visto e a atravessar o campo inimigo, para chegar a Treviso. Lá, no altar da Virgem, Jerónimo depôs as correntes e as chaves que lhe tinham sido milagrosamente entregues. Quis que esse ato fosse registrado por um notário público, e depois pintado por um dos famosos pintores de Veneza.
Começou para Jerónimo Emiliano uma guerra muito mais árdua e sem quartel do que todas as outras: a luta contra seus próprios defeitos. Em busca de auxílio, procurou um piedoso sacerdote como director espiritual e recorreu com frequência aos Sacramentos. Prostrava-se diante de um Crucifixo e suplicava: “Ó Jesus, não sejais um Juiz para mim, sede antes o meu Salvador”. Ou, como Santo Agostinho: “Senhor, sede para mim verdadeiramente Jesus! Vós só podeis ser meu Salvador”.
Aos poucos foi controlando suas paixões, sobretudo a ira, pelo exercício da docilidade e paciência. Adquiriu assim a verdadeira humildade e mansidão de coração, tornando-se o homem mais afável e pacífico de Veneza.
O Senado da Rainha do Adriático – como era conhecida Veneza ―, para recompensá-lo por seu valor na defesa de Castelnuovo, nomeou-o governador dessa cidade. Mas ele teve pouco tempo para exercer esse cargo, pois necessitou tomar sobre si a tutela dos sobrinhos, que o repentino falecimento de seu irmão deixara órfãos. Tendo-lhes assegurado uma boa educação e um rendimento de acordo com sua alta categoria, ele ficou livre para cumprir então o que havia prometido.
Jerónimo Emiliano já não era o mesmo. Renunciara a todos os cargos e comodidades da vida, mesmo as mais legítimas, às belas roupas, e afligia seu corpo com jejuns e penitências extraordinários, passando longas horas em oração e empregando o tempo livre em socorrer os pobres e doentes.
Em 1528 uma grande carestia assolou a Itália, com fome geral. Todos os dias a morte ceifava inúmeras vítimas. Para socorrê-las, Emiliano vendeu até os seus próprios móveis, transformando sua casa em hospital.
À fome sucedeu uma moléstia contagiosa, que fez muito mais vítimas. Jerónimo foi atingido tão fortemente, que chegou a receber os últimos Sacramentos. Mas pediu a Deus saúde para poder, por uma penitência mais longa, reparar a vida passada. Foi ouvido, e redobrou de zelo no amor a Deus e ao próximo.

Orfanato: obra precursora de uma família religiosa

A fome e a peste haviam deixado grande número de órfãos, que vagavam pelas ruas reduzidos à mendicidade e exposto aos piores vícios. O Santo começou a recolhê-los em uma casa que comprara para isso; procurou mestres para ensinar-lhes alguns ofícios, e proveu sobretudo à saúde de suas almas. Fazia com eles as orações da manhã e da noite. Levava-os  a assistir à Missa diariamente e a alternar o trabalho manual com momentos de silêncio,  o cântico de ladainhas e outras orações. Fazia-os confessarem-se uma vez por mês, e nos dias de festa levava-os, todos vestidos de branco, a visitar os principais santuários de Veneza, cantando ladainhas pelas ruas e praças. Toda a cidade via emocionada aquele que fora um cavaleiro tão brilhante, agora transformado no pai dos órfãos.
A caridade de Jerónimo Emiliano não se circunscreveu a Veneza, mas logo atingiu também Bérgamo, Bréscia, Como e Somasca. Já nesse tempo havia recebido a ordenação sacerdotal, e a ele tinham se reunido mais dois santos sacerdotes, que, a seu exemplo, distribuíram aos pobres tudo o que possuíam, para abraçar a pobreza voluntária.

Congregação e depois Ordem de amparo à pobreza

Jerónimo pensou logo em fundar uma Congregação regular para dar mais estabilidade à sua obra. Escolheu para isso Somasca, entre Milão e Bérgamo, para estabelecer a casa-mãe e o seminário. Daí veio o nome pelo qual ficaram conhecidos, Clérigos Regulares de Somasca. O Santo escreveu os primeiros regulamentos para essa Congregação, a base dos quais era a santa pobreza, que deveria manifestar-se em todas as coisas, desde o hábito até o mobiliário da casa. Os alimentos mais requintados foram abolidos de sua mesa, devendo eles contentar-se com a comida comum dos camponeses. Durante as refeições haveria leitura espiritual. Observariam o silêncio e as mortificações da regra. Empregariam parte da noite em oração, e durante o dia, se não estivessem atendendo os órfãos ou os doentes, deveriam entreter-se com algum trabalho manual. A finalidade principal dos Clérigos Regulares era a instrução das crianças e de jovens eclesiásticos.
Em Bérgamo, o Santo procurou também reconduzir para o bom caminho mulheres perdidas, que ele havia convertido. Obteve que fossem fechadas as casas que serviam para sua libertinagem. Aumentando o número das arrependidas, reuniu-as em uma casa especial, com uma regra de vida, para que perseverassem nos bons propósitos.

Um Papa e um Santo defendem Jerónimo Emiliano

Sua Congregação foi aprovada como Ordem religiosa pelo Papa Paulo III, grande amigo de Jerónimo. Esse Pontífice, juntamente com São Caetano de Tienne, era um de seus mais ardorosos defensores e benfeitores.
Vendo o bem que o Santo fazia, o Senado de Veneza ofereceu-lhe a direcção do hospital dos incuráveis, que Jerónimo aceitou pela oportunidade que tinha de dar assistência a muitos doentes terminais. Quando via-se sem recursos materiais para acudir a tantas iniciativas, escolhia quatro de seus orfãozinhos com menos de oito anos de idade, portanto mais inocentes, para fazer ao Céu violência com suas orações.
Entrementes, a fama de santidade de Jerónimo atraía-lhe muitos doadores e novos membros para sua Congregação.

Morte: último ato de caridade numa epidemia

Embora contasse pouco mais de 55 anos, Jerónimo teve certa premonição de que seu fim estava próximo. Procurou então consolidar sua obra, visitando todas as casas da Ordem. Ia sempre a pé e não tomava outro alimento senão pão e água.
Uma terrível peste afligiu Bérgamo, fazendo inúmeras vítimas. Para lá acorreu Jerónimo Emiliano com o mesmo ardor de sempre. Contraiu também a peste e viu que seus dias estavam contados. Alegre, repetia com São Paulo: “Quero a morte, para viver com Cristo”. Reuniu seus discípulos para os últimos conselhos. Os benditos nomes de Jesus e de Maria não lhe saíam dos lábios.
Enfim, no dia 8 de fevereiro de 1537, tendo recebido os últimos Sacramentos, entregou sua alma a Deus, na idade de 56 anos.
Pio XI o proclamou patrono universal dos meninos órfãos e abandonados.
Plínio Maria Solimeo

Fontes de referência

1 - Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le Père Giry, par Mgr Paul Guérin, Paris, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo VIII, pp 528 a 534.
2 - Pe. Jean Croisset, Año Cristiano, tradução para o castelhano do Pe. José Francisco de Isla, Madrid, Saturnino Calleja, 1901, tomo III, pp. 216, 217.
3 - Fr. Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones FAX, Madri, 1945, tomo III, pp. 159 a 162.
4 - Edelvives, El Santo de cada Día, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1948, tomo IV, pp 201 a 209.
5 - D. Próspero Guéranger, El Año Liturgico, Editorial Aldecoa, Burgos, 1955, tomo IV, pp. 617 a 622.

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