domingo, 16 de janeiro de 2011

ANTÃO, ABADE

Fundador da vida monástica
251-356
17 de Janeiro
Sua vida foi extraordinária, tendo ele lutado contra o demónio e praticado as mais rudes penitências; reuniu os primeiros solitários do Egipto, sendo procurado por santos, reis e imperadores
***
Em Coma, pequena vila perdida na região de Heracléia (no alto Egipto), veio à luz no ano 251 aquele que foi chamado a ser um luzeiro da Igreja por mais de um século. Antão era filho de pais nobres e religiosos que foram também seus mestres, para que o menino não se contaminasse com o paganismo das escolas públicas. Santo Atanásio, primeiro biógrafo e admirador de Antão, afirma que ele não aprendeu as “belas letras”, isto é, as ciências dos gregos, mas que amava muito a leitura. Santo Agostinho chega a dizer que Antão simplesmente não aprendeu a ler, e que toda sua sabedoria e ciência foram favores divinos.
Protegido desse modo no recanto de um lar cristão e nobre, Antão passou sua infância e juventude em grande inocência de vida. Religioso, respeitoso, afável, obediente, era o consolo dos pais.
Aos 20 anos, com o falecimento destes, herdou sua herança, que entretanto não o tornou feliz, porque, mais inclinado para as coisas celestes, só pensava em como melhor servir a Deus.
Certo dia ouviu na igreja as palavras de nosso Divino Mestre ao jovem rico do Evangelho: “Se queres ser perfeito, vai, vende o que tens, dá-o aos pobres e terás um tesouro no Céu; e depois vem, e segue-me” (Mt 19, 21). Essas palavras, que ouvira já tantas vezes, adquiriram um novo significado para ele, e pareceram ser-lhe directamente dirigidas. Voltando para casa, vendeu o que tinha, distribuiu o produto aos pobres, não reservando senão o indispensável para ele e uma irmã mais nova se manterem.
Estava tudo feito? Não, isso ainda não era o mais perfeito. Voltando à igreja, ouviu outras palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo: “Não vos preocupeis com o dia de amanhã” (Mt 6, 34). Antão deu-se conta de que não dera tudo, era preciso ser mais radical. Recomendou sua irmã a algumas virgens prudentes, despojou-se do que lhe restava e renunciou ao mundo.
Ininterrupta luta contra o demónio
Naquele tempo não existiam ainda no Egipto os numerosos mosteiros que depois encheram de santos suas solidões. Havia nos campos, perto das cidades, eremitas que viviam separados do povo, e por isso eram chamados de “monges” — quer dizer, “solitários” — e que eram consultados sempre que aparecia ocasião. Antão estabeleceu-se perto deles e começou a visitá-los, recolhendo de seu ensinamento tudo que era útil para sua alma. Assim, de um aprendia a humildade, de outro a paciência, de outro mais o espírito de penitência; e finalmente, de todos, o espírito de oração.
Foi quando o espírito do mal, adivinhando todo o bem que aquele jovem tão radical poderia fazer no futuro, começou, por especial permissão divina, como a Job, a ininterrupta série de ataques que duraria toda sua vida, e que o tornariam célebre no combate ao demónio.
O espírito tentador começou a sugerir ao jovem anacoreta, ainda principiante, remorsos por ter deixado o mundo antes mesmo que dele pudesse gozar as delícias; não dando isto resultado, incriminou-lhe ter abandonado sua irmã; incutiu ainda em seu corpo movimentos impuros, e apresentou-lhe imagens lascivas para que sucumbisse. A tudo Antão resistiu, como se fosse experimentado batalhador, saindo ainda mais fortificado na virtude. “Sua fé viva o fazia triunfar de todos esses ataques, pelos remédios que são próprios a domar os apetites desregrados: os jejuns, as vigílias e as outras indústrias da mortificação e da penitência”[1]. Uma esteira lhe servia de leito; pão duro e água uma vez por dia lhe serviam de alimento, passando ele horas inteiras em oração. Para combater a ociosidade, começou a fazer trabalhos manuais enquanto meditava, e assim vencia o demónio; ou melhor, como diz Santo Atanásio, Nosso Senhor nele vencia o demónio.
Antão jamais pensava no que tinha feito, mas só no que lhe restava fazer, mantendo-se assim sempre pronto para o combate e nas condições em que queria comparecer na presença de Deus.
Confesso que tu me venceste”
Os demónios não lhe davam trégua. Apareciam-lhe como manadas de porcos selvagens, grunhindo espantosamente e ameaçando dilacerá-lo com suas presas; como bandos de chacais furiosos, ou ainda como milhares de serpentes e dragões que rodeavam seu corpo, lançando fogo pela boca.
Terríveis e pérfidos são nossos adversários — dirá ele mais tarde a seus discípulos —, suas multidões enchem o espaço. Estão sempre perto de nós. [...] Deixando aos mais sábios explicar sua natureza, contentemo-nos com inteirar-nos das astúcias que usam em seus assaltos contra nós”[2].
Num dia em que ele era assaltado mais terrivelmente pelos demónios em forma de bestas selvagens, viu finalmente uma luz celeste que fez dissipar todas as figuras infernais. “Onde estavas, Senhor — gemeu ele docemente — que demorastes tanto para me acudir e curar minhas feridas?”. Respondeu-lhe o Salvador: “Contigo estava, Antão, e assistia a teu generoso combate. Não temas; esses monstros não voltarão a causar-te o menor dano”.
Uma vez o demónio, não podendo fazê-lo cair em tentação, utilizou outra táctica: apareceu-lhe como um anão de feiúra inexprimível que, lançando-se a seus pés, lhe disse com voz lastimosa: “Pobre de mim; eu já enganei e fiz cair muitos servidores de Deus. Mas confesso que tu me venceste”. Antão, sem se importar com essa canonização extemporânea, perguntou ao ser imundo quem era. “Eu sou o espírito de incontinência, que já perdeu muitas almas”. O santo respondeu-lhe que muito propriamente ele tomara a figura de um anão, pois nada podia, com todas as suas forças, contra um homem que punha sua confiança em Deus Nosso Senhor.
A virtude atrai mais que qualquer gloríola humana
Para isolar-se do mundo, Antão foi viver então num sepulcro que só um amigo conhecia; este levava cada dia o pão necessário à sua subsistência. Logo depois o demónio atacou-o com tanta violência, que o deixou semi-morto no solo. Levado à cidade para ser curado, pôs-se de pé logo que pôde e voltou para seu campo de batalha. E desafiou seu mortal inimigo: “Eis-me aqui de novo, [sou] Antão. Eu não fujo, não me escondo e te desafio; tua violência não me separará jamais do amor de Jesus Cristo”[3].
Até então o jovem anacoreta tinha vivido a vida dos ascetas, na vizinhança de Coma. Estava então com trinta e cinco anos de idade. Seguindo uma inspiração divina, resolveu fugir de todo contacto humano. Tornar-se-ia ele pai e fundador da vida monástica e cenobítica.
Atravessando o rio Nilo, Antão dirigiu-se para o sopé de uma montanha não longe da actual Atfih, onde encontrou as ruínas de um castelo. Instalado nelas, fechou totalmente a entrada, provido de pão para seis meses. Ali viveu durante vinte anos de oração, penitência e combate encarniçado com o demónio, sem ver nenhum ser humano, nem mesmo o bom cristão que a cada seis meses lhe levava pão para os outros seis.
Tudo o que é bom e extraordinário atrai os bons. Nos últimos desses anos, correndo a notícia de que um monge estava recluso nas ruínas do castelo, vivendo só para Deus, peregrinos começaram a afluir de todas as partes para pedir-lhe conselho ou a cura de males físicos ou morais. Naqueles tempos da primitiva Igreja, em que a virtude atraía mais que qualquer gloríola humana, “a santidade de vida do bem-aventurado Antão provocava tanta admiração que, do lugar em que estava, sua reputação espalhou-se por toda a terra. [...] De modo que grande número de pessoas, tocadas pelo espírito de Deus, acorreram ao deserto para seguir-lhe os passos e viver sob sua orientação. Por isso fundaram-se muitos mosteiros; e os desertos foram de tal modo cheios, que pareciam cidades povoadas por habitantes celestes”[4].
Antão demonstrava uma paciência celestial, doçura seráfica e calma infinita. Um sorriso angélico florescia perenemente em seus lábios, e seus olhos eram como dois mananciais de águas imaculadas. “As orações e as lágrimas — dizia — purificam até o mais impuro”.
Na virtude, recomeçar todos os dias
Antão dizia a seus discípulos que “uma das coisas mais importantes para a vida espiritual é crer que se começa todos os dias; que se pode encontrar o paraíso em todo lugar, quando o coração está apegado a Deus; que os espíritos das trevas temem as orações, vigílias e penitências dos servidores de Deus, sobretudo a pobreza voluntária, a humildade, o desprezo do mundo, a caridade e a mortificação das paixões; que são as virtudes que esmagam e partem a cabeça da serpente”. Acrescentava que “as melhores armas para vencer o inimigo são a alegria e o gáudio espiritual da alma que tem sempre a presença de Deus em seu pensamento, porque essa luz dissipa as trevas e faz com que as tentações de satanás se reduzam a fumaça. Que, enfim, é preciso ter sempre os exemplos dos santos para nos excitar à virtude”[5].
Em 311, quando o imperador Maximino Daza, sobrinho de Galério, desencadeou no Egipto furiosa perseguição aos cristãos, Antão deixou seu retiro e foi confortar os confessores da fé, desejoso também de participar de sua sorte. Ia visitá-los nas prisões, acompanhava-os ao tribunal e fazia-lhes companhia até o local de suplício. Mas não foi vontade de Deus que ele perecesse então, pois, apesar da idade, tinha ainda outras batalhas a vencer.
De volta ao seu isolamento, remontou o curso do Nilo, chegando ao Monte Colzim, distante uma jornada do Mar Vermelho, onde passou o resto de sua longa vida. Também lá seus discípulos o encontraram, e mudaram-se para as proximidades. De sua cela, Antão os dirigia.
Foi por volta do ano 342 que ele teve uma visão singular: viu subir aos Céus com grande glória um venerando ancião, rodeado de anjos. Consultando a Deus na oração, conheceu que se tratava de outro anacoreta, São Paulo de Tebas, que acabava de falecer. Conhecendo, por inspiração celeste, o lugar onde se encontrava o corpo do santo, foi prestar-lhe as honras fúnebres.
Alentando os perseguidos pelo arianismo
Santo Atanásio, o grande batalhador da Igreja contra a heresia ariana, pedia o auxílio de Antão para confirmar, em sua diocese de Alexandria, os fiéis perseguidos pelos hereges. Apesar de já centenário, Antão atendeu a tão justo pedido. Sua presença naquela cidade foi de um efeito maravilhoso sobre o povo fiel. Mesmo os sacerdotes pagãos iam às igrejas para tentar falar com o homem de Deus. Lá ele fez muitos prodígios, e Santo Atanásio reconhece que, durante o pouco tempo que Antão ali esteve, converteu à verdadeira fé mais infiéis do que tinham sido convertidos durante todo um ano. Os filósofos que vinham discutir com ele, diante de suas respostas tão pertinentes, ficavam espantados com a viveza de seu espírito e a solidez de seu julgamento. Via-se que Deus falava por sua boca.
Os monarcas, os príncipes e o próprio imperador Constantino escreviam-lhe cartas cheias de respeito, implorando o socorro de suas preces e pedindo a consolação de uma resposta sua. Antão lhes respondia exortando-os a não se deixar ofuscar por sua dignidade, pois eram homens e teriam que prestar contas de seu poder ao Rei dos Reis. Que usassem de misericórdia e clemência para com todos, socorressem os pobres e se lembrassem de que só Jesus Cristo é o verdadeiro e eterno Rei. Constantino conservava uma dessas cartas como o seu mais caro tesouro.
Enfim, cheio de méritos, Santo Antão faleceu aos 105 anos, recomendando aos seus discípulos que escondessem seu corpo para que não fosse adorado pelos pagãos como a um deus. Deixou sua túnica para o campeão da Igreja, Santo Atanásio. A Santa Igreja comemora a festividade de Santo Antão Abade no dia 17 de janeiro.
Plinio Maria Solimeo
[1] Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo I, p. 423.[2] Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo I, p. 104.[3] Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luis Vives, S.A., Saragoça, 1946, tomo I, p. 174.[4] Les Petits Bollandistes, op. cit., p. 426.[5] Id. ib., pp. 426-427.

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