sexta-feira, 9 de setembro de 2011

TIAGO LAVAL

Sacerdote, Beato
(1803-1864)
No Domingo, 29 de Abril de 1979, quando da beatificação, o então Papa João Paulo II que a Igreja elevou depois às honras dos altares, dizia na sua homilia:

«Aleluia! Aleluia! Neste terceiro domingo de Páscoa, a nossa alegria pascal exprime-se como eco da alegria transbordante dos Apóstolos que, desde o primeiro dia, reconheceram Cristo ressuscitado. Na tarde da Páscoa, “Jesus apresentou-se no meio deles”. Mostrou-lhes “as suas mãos e os seus pés”. Convidou-os a apalparem-no com as próprias mãos. E comeu diante deles (Cfr. Lc. 24, 36-42). Assombrados, com dificuldade em acreditar, os Apóstolos acabaram afinal por O reconhecer: Alegraram-se ... vendo o Senhor (Jo. 20, 20; Lc. 24, 41) ; e desde então ninguém lhes pôde tirar a alegria (Cfr. Jo. 16, 22), nem levá-los a deixarem de prestar testemunho público (Cfr. Act. 4, 20). Alguns instantes mais cedo, os corações dos discípulos de Emaús estavam-lhes a arder dentro, quando Jesus lhes falava pelo caminho e lhes explicava as Escrituras; e tinham-n'O, eles também, reconhecido, no partir do pão (Cfr. Lc. 24, 32.35).
A alegria destas testemunhas é também a nossa, queridos Irmãos e Irmãs, nossa porque partilhamos da fé que eles tiveram em Jesus ressuscitado. Glorificado junto do Pai, não cessa de atrair os homens para Ele, de lhes comunicar a Sua vida, o Espírito de santidade, ao mesmo tempo que lhes prepara um lugar na casa do Pai. É precisamente esta alegria que hoje encontra brilhante confirmação, pois celebramos dois admiráveis Servos de Deus que, no século passado, brilharam na nossa terra com a santidade de Cristo; os quais pode a Igreja, a partir de agora, declarar bem-aventurados, propô-los ao culto particular e à imitação dos fiéis: o Padre Laval e o Padre Coll, que devemos agora contemplar.

Tiago Laval

É evidentemente impossível indicar aqui todos os factos notáveis da vida do Padre Tiago Laval e todas as virtudes cristãs que praticou em grau heróico. Fixemo-nos naquilo que e característico deste missionário, tendo em vista a missão actual da Igreja.
Primeiramente, o seu cuidado de evangelizar os pobres, os mais pobres; no caso, os seus “queridos Negros” da Ilha Maurício, como lhes chamava. Na sua França, começara por exercer a medicina numa vila da sua diocese natal de Évreux, mas pouco a pouco o chamamento a um amor sem partilhas ao Senhor, que ele algum tempo recalcara, levou-o a abandonar a sua profissão e a vida do mundo: “Fazendo-me padre, poderei fazer maior bem”, explicava a seu irmão (Cfr. biografia). Entrando como vocação tardia no Seminário de São Sulpício de Paris, neste foi logo encarregado do serviço dos pobres; depois, como pároco da pequena freguesia normanda de Pinterville, repartia tudo o que tinha com os necessitados. Mas, vindo a conhecer a miséria dos Negros da África e a urgência de os trazer a Cristo, conseguiu partir para a Ilha Maurício com o Vigário Apostólico, Monsenhor Collier. Durante 23 anos, até à morte, consagrou todo o seu. tempo, consumiu todas as suas forças e deu todo o seu coração a evangelizar os autóctones: sem nunca se cansar, soube ouvi-los, catequizá-los e fazer-lhes descobrir a própria vocação cristã. Muitas vezes interveio também para lhes melhorar a condição sanitária e social.
A tenacidade que mostrou não deixa de nos espantar, sobretudo nas condições desanimadoras da sua missão. Mas, no seu apostolado, teve sempre em vista o essencial. O que é certo é que o nosso missionário deixou após si inúmeros convertidos ou à fé ou à piedade sólida. Não era inclinado a cerimónias espalhafatosas, sedutoras para essas almas simples, mas que não dariam fruto duradoiro; nem tendia para arrebatamentos oratórios. O seu empenho educativo inseria-se muito na vida concreta, não se cansava de voltar continuamente aos pontos essenciais da doutrina e da prática da vida cristã; ao baptismo ou à primeira comunhão só admitia pessoas preparadas aos grupos, que tivessem dado boas provas. Muito se empenhou em colocar à disposição dos fiéis capelinhas espalhadas pela ilha. Outra iniciativa notável, que é também objecto do zelo de numerosos pastores de hoje: juntou a si colaboradores; homens e mulheres, como chefes de oração, catequistas, visitadoras e conselheiras dos doentes, responsáveis por comunidadezinhas cristãs; por outras palavras, juntava a si quem se ocupasse dos pobres, quem os evangelizasse.
Qual é então o segredo do seu zelo missionário? Encontramo-lo na santidade: no dom de toda a sua pessoa a Jesus Cristo, dom inseparável da sua ternura pelos homens, sobretudo pelos mais humildes, que desejava tornar participantes da salvação trazida por Cristo. Todo o tempo que não consagrava ao apostolado directo, passava-o a orar, sobretudo diante do Santíssimo Sacramento, e juntava continuamente à sua oração mortificações e penitências que muito impressionaram os seus irmãos de hábito, apesar da discrição e da humildade. Muitas vezes fala da pena que tem da sua tibieza espiritual — digamos antes, do sentimento da própria secura: não atribui ele precisamente o maior preço ao amor fervoroso de Deus e de Maria, no qual deseja iniciar os seus fiéis? Nisso está ainda o segredo da sua paciência apostólica: “É unicamente em Deus e na protecção da Santíssima Virgem que nós nos apoiamos” (Carta de 9 de Julho de 1853, cfr. biografia). Que confissão magnífica! A sua espiritualidade missionária tinha-se aliás inscrito, desde o princípio, no enquadramento dum novo instituto religioso e mariano, e sempre teve a peito seguir as exigências espirituais do mesmo, apesar da solidão e afastamento geográfico em que viveu: trata-se da Sociedade do Sagrado Coração de Maria, de que foi um dos primeiríssimos membros ao lado do célebre Padre Libermann; Sociedade que será pouco depois fundida com a Congregação do Espírito Santo. O apóstolo, hoje como ontem, deve primeiramente cultivar em si o vigor espiritual; e deve depois testemunhar aquilo que recebe continuamente da Fonte.
Aqui está um modelo para os evangelizadores. de hoje. Oxalá ele inspire os missionários, e, atrevo-me a dizer, todos os sacerdotes, que têm primeiramente a missão sublime de anunciar Jesus Cristo e formar a vida cristã.
Seja ele, a título especial, a alegria e o estímulo de todos os religiosos espiritanos, que não cessaram de implantar a Igreja, em particular na terra africana, e lá trabalham com tanta generosidade.
O exemplo do Padre Laval anime todos os que, no continente africano e fora dele, se esforçam por construir um mundo. fraterno, isento de preconceitos raciais. Seja também o Beato Laval o orgulho, o ideal e o protector da comunidade cristã da Ilha Maurício, hoje tão dinâmica, e de todos os Mauricianos. A estes votos, tenho o prazer de acrescentar uma saudação muito cordial à Delegação do Governo da Ilha Maurício, como também à do Governo francês, que vieram participar nesta cerimónia[1]

Dados biográficos

Jacques Désiré Laval nasceu a 18 de setembro de 1803 em Groth, distrito de Evreux, província de Normandia (França).
Sua mãe morreu pouco depois, e o pai confiou a educação de Tiago um tio Padre. Estudou medicina e praticou esta profissão durante algum momento.
Durante aqueles anos afastou-se da prática religiosa; mas algumas decepções e um acidente grave de equitação causaram o seu retorno e a ideia de se tornar sacerdote, idéia de que tinha acariciado antes de estudar medicina. Ele entrou para o seminário de São Sulpício em Paris e em 22 de Dezembro de 1838 recebeu a ordenação sacerdotal.
Depois de ter exercido o ministério de pároco, concebeu o projeto de fundar uma sociedade religiosa dedicada à pastoral junto negros e após a venda dos bens familiares e de tudo entregar à recem-nascida sociedade, partiu de Londres em 4 de Junho de 1841 para a ilha Maurício (Oceano Índico), que era então uma colônia britânica. Ele chegou em 15 de setembro e lá permaneceu até sua morte em 1864, entregando-se à evangelização dos povos de cor que ainda viviam na escravidão. Actualmente, os habitantes da ilha. agora independentes, consideram este ilustre missionário francês como um herói nacional e símbolo da unidade da ilha.
Afonso Rocha

[1] Homilia do Papa João Paulo II, durante a cerimónia de beatificação do Padre Jacques-Désiré Laval; Domingo, 29 de Abril de 1979.

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