sexta-feira, 2 de setembro de 2011

GREGORIO MAGNO

Papa, Doutor da Igreja, Santo
Baluarte da Idade Média nascente
Doutor da Igreja, um dos maiores Papas da História, dirigiu a Barca de Pedro com rara habilidade e deu rumo à conturbada época em que viveu.
*****
“Gregório é certamente uma das mais notáveis figuras da história eclesiástica. Exerceu em vários aspectos uma significativa influência na doutrina, organização e disciplina da Igreja Católica. A ele devemos olhar, para a explicação da situação religiosa da Idade Média; com efeito, não se levando em conta seu trabalho, a evolução da forma da Cristandade medieval seria quase inexplicável. Tanto quanto o moderno sistema católico é um legítimo desenvolvimento do catolicismo medieval, não sem razão Gregório deve também ser chamado seu pai. Quase todos os princípios directivos do subsequente Catolicismo são encontrados, pelo menos em gérmen, em Gregório Magno”[1].
Ele “merece o glorioso título de Magno por todas as razões que podem elevar um homem acima de seus semelhantes: porque foi magno em nobreza e por todas as qualidades que vêm do nascimento e dos ancestrais; magno nos privilégios da graça com que o Céu o cumulou; magno nas maravilhas que Deus operou por seu intermédio; e magno pelas dignidades de Cardeal, de Legado, de Papa, para as quais a divina Providência e seus méritos o elevaram”[2].

Esmerada e virtuosa educação

Gregório nasceu em Roma no ano 540. Seu pai, Gordiano, era senador. Muito rico, após o nascimento do filho consagrou-se inteiramente a Deus no serviço dos pobres. Sua mãe, Sílvia, não era menos ilustre nem menos virtuosa, e passou os últimos anos de sua vida em contemplação num pequeno oratório para onde se retirou. Além de sua mãe, duas de suas tias, Tarsila e Emília, foram também elevadas à honra dos altares. Assim, seu primeiro biógrafo, João, o Diácono, fala de sua educação como sendo a de um santo entre santas[3].
Dotado de excepcional inteligência e brilhante memória, Gregório aprendeu com facilidade as letras divinas e humanas. É bem provável que tenha também estudado Direito. São Gregório de Tours, que nos deixou algumas impressões sobre ele, diz que em gramática, retórica e dialética ele era tão hábil que, segundo voz corrente, não tinha igual em toda Roma. Diz também que ele se entregou a Deus desde sua juventude.
Enquanto seu pai foi vivo, Gregório tomou parte na vida do Estado e chegou a ser prefeito de Roma. Com a morte daquele, resolveu retirar-se do mundo e consagrar-se a Deus. Isso deu-se provavelmente em 574. Com sua grande fortuna, fundou seis mosteiros na Sicília, além de um em Roma, em seu palácio, com o nome de Santo André. Nele tomou o hábito religioso. Sua caridade para com os pobres era tão grande, que foi premiada com vários milagres.
Em 577 o papa Bento I o nomeou cardeal-diácono ou regional. Os que estavam revestidos dessa dignidade, sete ao todo, presidiam às sete regiões principais de Roma para atender às suas necessidades.
Mais tarde o Papa Pelágio II enviou-o a Constantinopla, como legado e embaixador junto ao imperador Tibério. Sua missão principal consistia em mover o imperador a pôr ordem na Itália.
Depois de seis anos de vida diplomática nessa cidade, Gregório foi chamado a Roma, provavelmente em 585, sendo então eleito abade de Santo André. O mosteiro ficou famoso com seu enérgico abade, podendo-se ler muita coisa edificante dele em seus Diálogos. Dedicava-se muito à formação de seus monges, e explicou-lhes vários livros das Sagradas Escrituras, como o Pentateuco, o Livro dos Reis, os Profetas, o Livro dos Provérbios e o Cântico dos Cânticos.

Intervenção divina elimina a peste

No ano de 590, terríveis inundações seguidas de peste assolaram a Cidade Eterna, privando a Igreja de seu chefe, o Papa Pelágio. O clero, o povo e o Senado de Roma escolheram unanimemente para o Pontificado o diácono Gregório. Ele não queria aceitar, mas por fim acedeu, desde que a indicação fosse ratificada pelo imperador. Ao mesmo tempo escreveu a este, que era muito amigo seu, implorando que não ratificasse a escolha. Mas seu irmão, então prefeito de Roma, interceptou a carta e enviou ao imperador outra, enaltecendo as qualidades de Gregório e pedindo a confirmação no cargo.
Enquanto não vinha a resposta, Gregório assumiu interinamente o posto, devido ao estado de calamidade em que Roma se encontrava. Para fazer cessar o flagelo da peste, convocou procissões rogatórias gerais, durante três dias, com a presença de todos, inclusive a dos abades dos mosteiros da Cidade Eterna com seus religiosos, e das abadessas com suas religiosas. Gregório portou nessa procissão um antigo quadro da Virgem, cuja autoria é atribuída a São Lucas. Segundo a tradição, por onde passava o quadro, o ar corrompido cedia lugar ao são. Quando ele chegou nas proximidades do mausoléu de Adriano, de acordo com a mesma tradição, ouviram-se coros angélicos que cantavam: “Rainha dos Céus, alegrai-vos, aleluia; porque Aquele que merecestes portar, aleluia; ressuscitou como disse, aleluia”. O povo ajoelhou-se, cheio de devoção e alegria, e Gregório cantou: “Rogai por nós a Deus, aleluia”. No mesmo instante ele viu um anjo que embainhava a espada, para significar que o flagelo cessara. A partir de então o mausoléu de Adriano passou a ser conhecido como Santo Ângelo.
Quando chegou a resposta do imperador confirmando Gregório no cargo, este quis fugir, mas à força foi ordenado sacerdote e coroado Sumo Pontífice.

Capitão, rei, pontífice, pai do povo

Triste situação se apresentava ao novo Papa. A Igreja estava em deplorável estado, necessitando de mão firme que a reformasse. Na África, imperava a heresia donatista; na Espanha, a ariana; na Inglaterra, a idolatria; e na Gália, a simonia, os crimes de Fredegunda e os erros de Brunilda, rainha da Austrásia, na Gália. Na Itália, os lombardos, que eram arianos e rivais do poder imperial, faziam devastações. No Oriente, havia a arrogância dos patriarcas de Constantinopla e a má vontade dos imperadores bizantinos que, não podendo defender nem governar a Itália, ficavam enciumados por ver que os Papas cumpriam esse papel. Enfim, em todas as fronteiras do Império Romano, ondas de bárbaros ameaçavam acabar com o que restava de pé nesse mundo em transição.
O novo Papa “lutava contra a peste, contra os tremores de terra, contra os bárbaros heréticos e contra os bárbaros idólatras, contra o paganismo morto e infecto mas insepulto, contra seu próprio corpo, consumido pelas enfermidades; e se pôde dizer que a alma de Gregório era a única inteiramente sã que existia em toda a humanidade”[4]. Assim, com uma habilidade e energia raras ele se multiplicava, tornando-se capitão, rei, pontífice, pai dos romanos. Arregimentou tropas e pagou seu soldo, forneceu aos bárbaros as contribuições que exigiam para não invadir Roma; alimentou e consolou o povo. Obteve do rei dos lombardos uma trégua para Roma e seu território. Com a ajuda de Teodolinda, rainha dos lombardos, que era cristã e amiga fiel do Papa, conseguiu a conversão de toda a nação lombarda do arianismo para a fé católica. Livrou depois o território pontifício de todos os tiranetes que tinham surgido em meio à anarquia, dando início ao poder temporal dos Papas.
Em 592 o imperador bizantino, por um edito, proibiu seus soldados de abraçar a vida monástica. Imediatamente São Gregório escreveu-lhe mostrando que, com isso, ele feria as leis de Deus e o direito de consciência dos soldados. E lembrou ao imperador Maurício as contas terríveis que ele teria que prestar a Deus por essa decisão, no dia de seu juízo particular.
O grande Papa comunicou a seu embaixador em Constantinopla: “Sei tolerar por muito tempo, mas, uma vez que resolva resistir, lanço-me com alegria em todos os perigos. Antes morrer que ver a Igreja do Apóstolo São Pedro degenerar em minhas mãos”.
Por sua humildade, Gregório foi o primeiro Papa que se chamou “servo dos servos de Deus”. Em sua boca, essa declaração não era mera figura de retórica.

Consolida a liturgia, codifica o canto sagrado

Gregório foi profícuo em seus escritos, tendo todos eles alcançado grande repercussão. Daí o título que merecidamente recebeu de Doutor da Igreja. Em seu Livro da Regra Pastoral, por exemplo, uma de suas obras que mais influíram na Idade Média, fornece ao clero uma norma de vida. Já em suas Homilias, dirige-se ao povo com uma simplicidade comovedora. Sua palavra é tão eminentemente comunicativa, tão viva, tão apropriada, que a multidão a escuta religiosamente, às vezes com lágrimas, outras com aplausos.
De valor mais transcendental foram sua consolidação litúrgica e a codificação do canto eclesiástico (até hoje o canto-chão leva o seu nome, gregoriano). A ele se deve, por exemplo, o costume de cantar o Kyrie eleison na Missa, a introdução do Pai Nosso antes da fração da hóstia, e dos aleluias nos ofícios divinos, mesmo fora do tempo pascal. Teve muito empenho em realizar as cerimônias de culto com muita pompa exterior, para instrução e edificação do povo[5]. Do ponto de vista da liturgia, foi um digno predecessor do Papa São Pio V.
São Gregório Magno teve grande empenho na conversão dos ingleses, de modo a merecer o título de Apóstolo da Inglaterra.
O Pontífice, mesmo antes de ser eleito Papa, havia passado por diversas crises de saúde ― gota e intestinos ― que duraram meses inteiros.
Já no fim de sua vida, escreveu: “Há quase dois anos estou na cama, com grandes dores de gota, de modo que apenas nos dias de festa posso me levantar para celebrar. E logo, com a força da dor, me volto a deitar. [...] Assim, morrendo cada dia, nunca acabo de morrer, e não é maravilha que eu, sendo tão grande pecador, Deus me mantenha tanto tempo neste cárcere”. O grande Papa faleceu no dia 12 de março de 604, aos 60 anos de idade.
Plinio Maria Solimeo

[1] F. H. Dudden, Gregory the Great, 1, p. v, in The Catholic Encyclopedia, Volume VI, Copyright © 1909 by Robert Appleton Company, Online Edition Copyright © 2003 by Kevin Knight.
[2] Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo III, p. 360.
[3] G. ROGER HUDLESTON, Saint Gregory the Great, The Catholic Encyclopedia.
[4] Fr. Justo Perez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo I, p. 488.
[5] Cfr. Edelvives, El Santo de Cada Dia, Editorial Luís Vives, S.A., Saragoça, 1947, tomo II, p. 126.

Sem comentários:

Enviar um comentário