sexta-feira, 9 de setembro de 2011

PEDRO CLAVER

Jesuíta, Santo
1580-1654


o apóstolo dos escravos

Plinio Maria Solimeo
Discípulo de Santo Afonso Rodrigues, Pedro Claver tornou-se escravo dos escravos para conduzi-los ao Céu. Sua insigne caridade inclinou-o a atender toda necessidade espiritual e combater qualquer miséria moral. Sua festa comemora-se no dia 9 do corrente.
Certo dia Afonso Rodrigues — porteiro do Colégio da Companhia de Jesus na ilha espanhola de Palma de Maiorca, já então com fama universal de santidade — estava em oração, quando foi arrebatado em espírito e levado aos Céus. Viu ali, dispostos em círculo, muitos tronos de glória, ocupados por santos vestidos com brilhantes trajes reais. Em meio a eles havia um trono mais elevado, ainda vazio. Desejando compreender o significado dessa visão, o santo irmão leigo ouviu uma voz dizer-lhe que aquele trono estava preparado para Pedro Claver, como prêmio das muitas almas que ele, na América, deveria ganhar para Deus. A partir de então, Afonso Rodrigues procurou incutir em seu discípulo o desejo das missões, para que realizasse seu grande destino[1].

Congregado Mariano antes do noviciado

Uns dizem que os pais de Pedro Claver eram da mais alta nobreza, outros que não passavam de camponeses. Mas todos concordam em que eram muito virtuosos e receberam aquele filho como resposta às suas insistentes preces, prometendo consagrá-lo ao serviço de Deus. Também se diz que o pequeno Pedro “amava a virtude antes ainda de a conhecer”.
Alma predestinada, quando chegou a época de continuar seus estudos em Barcelona, no colégio dos jesuítas, entrou para a Congregação Mariana, a fim de obter a proteção de sua amada Senhora. Encontrando entre os filhos de Santo Inácio aquilo que sua alma procurava, pediu sua admissão na Companhia, sendo enviado a Tarragona para o noviciado.
Desde o primeiro dia mostrou determinação de ser Santo e de fazer-se missionário, escrevendo em seu diário: “Quero passar toda minha vida trabalhando pelas almas, para salvá-las e morrer por elas”.
Foi então que, enviado a Palma de Maiorca para estudar filosofia, encontrou Santo Afonso Rodrigues. “Apenas cruzou o umbral, o porteiro caiu de joelhos diante dele, beijou-lhe os pés e os cobriu de lágrimas. Turbado e confuso, o estudante ajoelhou-se também e, estreitando nos braços o leigo, o abraçou ternamente” [2]. “Interiormente esclarecidos sobre os méritos um do outro, eles se olharam com mútuo respeito, com a mesma confiança, o mesmo amor” [3].
Pedro pediu aos superiores para tomar o humilde irmão leigo, então com 73 anos, como seu diretor espiritual, e assim estabeleceu-se entre os dois um parentesco espiritual que marcaria por toda a vida o futuro apóstolo dos escravos. Foi por conselho de Afonso que Pedro pediu aos superiores para seguir como missionário para a América do Sul.
Para dirigir-se a Sevilha, de onde deveria partir, Pedro passaria muito perto da casa dos pais. Mas quis privar-se da alegria que teria em vê-los uma última vez, oferecendo a Deus o sacrifício pelo fruto de seu apostolado.
Durante os vários meses da incômoda viagem marítima, o futuro missionário quis cuidar dos doentes da tripulação. Sua humildade e bondade logo ganharam o coração de todos os marinheiros, de maneira que foi possível fixar uma hora por dia para explicar-lhes o catecismo e rezar depois o terço. Cessaram as blasfêmias, as más conversas, as rixas entre os rudes homens do mar.

Anjo protetor dos escravos

Cartagena de Índias, na atual Colômbia, era então um dos mais importantes centros comerciais espanhóis no Novo Mundo e principal porto negreiro. Nele chegavam mais de 10 mil escravos por ano, que eram confinados em verdadeiros pardieiros até serem adquiridos por algum senhor. Sua miséria material só encontrava símile na miséria moral.
A escravidão era considerada inteiramente normal na época. Eram vendidos nas costas da África, às vezes por gente de sua própria tribo, ou de outras das quais haviam se tornado escravos, como prisioneiros de guerra. Ao vir para a América, tinham uma vantagem que superava todos os infortúnios que sofriam: no novo continente poderiam conhecer a verdadeira Religião e salvar assim suas almas.
Foi aos negros que Pedro Claver dedicou-se desde o início de seu apostolado, auxiliando o Pe. Sandoval, que já fazia esse trabalho. Aos poucos tornou-se pai, consolador, enfermeiro e evangelizador desse povo sofredor. Para ele mendigava nas ruas de Cartagena sem o menor respeito humano, distribuindo depois, de acordo com as necessidades de cada um, o que tinha angariado.

Caridade apostólica vence a repugnância natural

Não é fácil em nossos dias aquilatar a heroicidade desse apostolado. Muito primitivos, vivendo numa degradação moral e perversão de costumes muito grande, além da brutalidade das paixões, esses negros viajavam de navio para o Novo Mundo em condições sub-humanas, como bestas. Além disso, parte deles contraía doenças durante a viagem, chegando cobertos de pústulas e maus odores. Pode-se compreender o estado de espírito rancoroso e arredio com que chegavam.
O Santo prestava-lhes os serviços mais repugnantes à natureza, com um amor, uma paciência e uma caridade de verdadeira mãe, em meio a um odor fétido, um calor insuportável e uma promiscuidade sem nome.

Conversão de centenas de milhares de escravos

Por meio de um intérprete, ensinava a esses infelizes o caminho da salvação, batizava-os, e depois empregava todos os meios para manter contato com eles, a fim de perseverarem no bom caminho.
Segundo o próprio Santo declarou antes de morrer, em 40 anos desse apostolado batizou mais de 300 mil negros.
Nos dias de preceito, Pedro Claver ia procurar esses filhos gerados por ele para a Igreja e os levava para assistir aos ofícios divinos.
Encontrando-os na rua, nunca deixava de lhes dizer alguma palavra edificante, algo que lhes fosse diretamente à alma. Aos velhos costumava dizer: “Pensa, meu amigo, que a casa já está velha e que ameaça arruinar-se. Confessa-te enquanto tens tempo e facilidade”.

Quarto voto: ser escravo dos escravos

E essa facilidade tinham os negros, pois São Pedro Claver, ao pronunciar seus votos de profissão, acrescentou um quarto, heróico, de se tornar o escravo dos escravos. Era todo deles. Por isso seu confessionário estava a eles reservado. Quando, devido à fama de sua virtude, nobres espanhóis conseguiam de seu superior uma ordem para que os ouvisse em confissão, ele os fazia esperar até terminar de atender a todos os escravos. E às vezes seu apostolado se fazia em condições tão incômodas, que chegava a desmaiar, sendo preciso reanimá-lo com vinagre.
Por uma espécie de carisma divino, tinha um conhecimento sobrenatural do perigo que corriam seus negros em agonia, e do destino de suas almas após a morte.

Ressurreição para receber o batismo

Assim, certo dia chega a uma casa onde uma negra acabava de morrer sem o batismo. O Santo se ajoelha junto dela e começa a rezar, dirigindo suas lágrimas ao Céu para fazer-lhe violência. De repente, a negra volta à vida durante o tempo suficiente para ser disposta a receber o batismo, tornando a falecer logo depois de purificada por esse Sacramento.
Outra vez, passando por uma rua com um companheiro, subitamente pede-lhe que espere um pouco, e entra numa casa. Lá encontra todos em pranto junto a uma moribunda prestes a expirar. O Santo tem tempo de ouvi-la em confissão e ministrar-lhe a última unção.
Certa vez, porém, ele chegou tarde e a doente já havia falecido. Entristecido, começou a rezar fervorosamente junto ao cadáver. Instantes depois seu olhar ilumina-se, e ele diz aos presentes: “Uma tal morte é mais digna de nossa inveja do que de nossas lágrimas. Essa alma foi condenada a apenas vinte e quatro horas de Purgatório; procuremos abre­viar sua pena pelo ardor de nossas preces”.

Condenados à morte: solicitude

Não eram só os negros que mereciam sua atenção, mas todos que estivessem em grande perigo de corpo ou de alma. Assim, interessava-se pelos encarcerados destinados à morte, preparava-os e os acompanhava até o lugar do suplício. Certa vez, acompanhava ao último suplício um certo Estevão Melão, condenado por homicídio e furto. Mas como o cargo de carrasco estava vacante, mandaram para executá-lo um maometano condenado às galés. Com a falta de prática, a corda rebentou três vezes, causando grande dor ao sentenciado. Pedro Claver acorreu cada uma das vezes, para reconfortá-lo com vinho e biscoitos. Depois também socorreu o maometano, confortando-o da mesma maneira. No dia seguinte este foi procurá-lo no colégio, para agradecer sua caridade, e de lá saiu convertido[4].
Também os condenados pela Santa Inquisição, os piratas e os hereges experimentavam seu zelo e comprovavam sua imensa caridade. Sua ação se exercia especialmente junto aos maus, para convertê-los. Ninguém podia resistir ao seu ardente apostolado.

Aflição pela imodéstia feminina

Uma das desordens que mais o afligia era a imodéstia das vestes femininas. E isso com os longos vestidos do século XVII! O que diria ele do seminudismo de hoje, com freqüência até na casa de Deus?
Apesar dessa imensa atividade em prol do próximo, sua regularidade na vida conventual não sofria detrimento. Era dos mais observantes e modelo para os outros.
Nos últimos quatro anos de sua vida foi atacado pelo mal de Parkinson, ficando com pés e mãos semiparalisados. Mesmo assim pedia que o carregassem até o confes­sionário.
São Pedro Claver faleceu em 8 de setembro de 1654, aos 74 anos.

[1] Cfr. Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial Apostolado da Oração, Braga, 1987, p. 33.
[2] Frei Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo III, p. 575.
[3] Les Petits Bollandistes, Bloud et Barral, Paris, 1882, p. 605.
[4] Cfr. Enriqueta Vila, Santos de América, Ediciones Moreton, S.A., Bilbao, 1968, p. 135.

Sem comentários:

Enviar um comentário