Doutor da Igreja, coluna inabalável da verdade
Um dos maiores gênios que a humanidade já produziu, denominado pelos escritores eclesiásticos Mestre da Teologia, Escudo da Fé e Flagelo dos hereges, entre outros títulos
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Agostinho nasceu em 13 de novembro de 354 em Tagaste, pequena cidade livre do proconsulado da Numídia, do Império Romano, ao norte da África. Seus pais, Patrício e Mônica, se bem que de honradas famílias, não eram ricos. O genitor, ainda pagão, pertenceu à cúria da cidade — assembléia dos que compunham a cúria, uma divisão político-religiosa do povo romano. Sua mãe, fervorosa cristã, criou Agostinho no temor de Deus desde os primeiros anos de sua infância. Inscreveu-o também no número dos catecúmenos.
Ainda na infância, o menino ficou gravemente enfermo e pensou-se em administrar-lhe o santo Batismo. Mas, tendo ele melhorado, foi adiada a recepção desse Sacramento, conforme costume da época.
Adolescente, afunda-se nos vícios
A brilhante inteligência de Agostinho e sua fiel memória propiciavam-lhe muita facilidade para os estudos. Esse fator inclinou seu pai, quando Agostinho terminou os estudos em Tagaste e Madaura, a pensar em mandá-lo para Cartago, a capital romana do norte da África, onde ele poderia prosseguir sua formação intelectual e chegar a reputado jurista.
O ano que Agostinho passou, esperando que seu pai juntasse o dinheiro suficiente para isso, foi-lhe funesto. Estava na exuberância dos seus 16 anos, cheio de vida e quimeras, e perdeu-se moralmente devido à influência deletéria de maus companheiros, que levavam vida debochada. Declara ele em sua imortal obra Confissões: “Desde a adolescência, ardi em desejos de me satisfazer em coisas baixas, ousando entregar-me como animal a vários e tenebrosos amores! Desgastou-se a beleza da minha alma e apodreci aos teus olhos [ó Deus], enquanto eu agradava a mim mesmo e procurava ser agradável aos olhos dos homens”[1].
Chegando por fim à famosa Cartago, aos 17 anos, logo se uniu à turbulenta mocidade acadêmica da cidade. Iniciou em seu curso de retórica o estudo de Virgílio, poetas e escritores latinos. Descobriu em Cícero a atração da filosofia, e a ela entregou-se com ardoroso fervor. Aos 19 anos uniu-se em ligação pecaminosa a uma donzela, com quem viverá 15 anos, só rompendo esse criminoso vínculo ao se converter. Ela lhe deu um filho, Deodato.
Aliciado pela heresia maniquéia
Em busca da vã curiosidade, “caí nas mãos de homens desvairados pela presunção, extremamente carnais e loquazes. Suas palavras traziam as armadilhas do demônio, numa mistura confusa do Teu nome com o de Nosso Senhor Jesus Cristo e do Espírito Santo consolador”[2]. Eram os hereges maniqueus. Agostinho tornar-se-á um de seus ardentes defensores, pervertendo para a seita vários amigos católicos. Durante nove anos permanecerá em suas malhas.
No ano 375, tendo terminado seus estudos, voltou para Tagaste, onde ensinou com sucesso gramática e retórica. Como ele se obstinava na heresia, sua mãe não quis acolhê-lo em casa. Tendo porém consultado um bispo a respeito, este aconselhou-a a recebê-lo, dizendo que um filho de tantas lágrimas não podia perder-se. Entretanto, depois da morte de um amigo muito íntimo, para esquecer a dor, Agostinho voltou para Cartago, onde continuou a ensinar retórica com o mesmo brilho.
Apesar de maniqueu, Agostinho tinha muitas dúvidas a respeito do que lhe era ensinado pela seita. Mas todos lhe diziam que o “bispo” deles, Fausto, responderia maravilhosamente a todas suas objeções. Ora, em 378, Fausto foi a Cartago. Este, apesar de ter palavra fácil e verbosidade atraente, acabou por reconhecer que não tinha respostas para as indagações de Agostinho. Com isso, “o ardor que eu tivera em progredir na seita que abraçara, arrefeceu completamente logo que conheci esse homem, mas não a ponto de desligar-me radicalmente dos maniqueus.[...] Decidira contentar-me temporariamente com ela, até encontrar algo mais claro, que merecesse ser abraçado”[3]. E esse algo ele encontraria, não em Cartago, mas em Milão.
Rumo à conversão e à santidade
Aos 29 anos, ainda inquieto em busca da verdade pela qual aspirava, Agostinho resolveu ir para a Itália. Em Roma lecionou retórica, mas acabou trasladando-se para Milão. Lá, sua mãe passou a morar com ele.
“A leitura das Epístolas de São Paulo, a influência de sua mãe, Mônica, e do bispo de Milão, Ambrósio, levaram-no a se reaproximar dos cristãos. Como ele narra nas Confissões, depois das reviravoltas de suas hesitações ele vive um momento intenso de dilaceração interior. Tal compunção o decide a se converter”[4]. Mas esse processo de conversão durou três anos.
Enfim, na véspera da Páscoa de 387, ele é batizado por Santo Ambrósio juntamente com seu filho Deodato e vários discípulos.
Depois do batismo, Agostinho resolve voltar para a África. Em Óstia, perto de Roma, dá-se o famoso êxtase em que ele e sua mãe são arrebatados quando consideravam a vida futura. Pouco antes havia falecido seu filho, aos 15 anos de idade. E Santa Mônica logo o segue ao túmulo. “Em toda a literatura não há páginas com mais refinado sentimento do que a história de sua santa morte e a dor de Agostinho [Confissões, IX]”[5].
Novamente em Tagaste, viveu retirado do mundo durante três anos, em comunidade religiosa com seus amigos, em oração, estudos e penitências.
Aclamação do povo e sacerdócio
Um dia no ano 391, em que tinha ido a Hipona — onde a fama de sua santidade e saber já havia chegado —, estava ele rezando numa igreja, quando o povo o rodeou, aclamando-o e pedindo ao bispo Valério que lhe conferisse o sacerdócio. Apesar de todos os seus protestos, ele teve que curvar-se à vontade de Deus.
A primeira coisa que Agostinho fez, quando ordenado, foi pedir ao bispo um lugar para erguer um mosteiro como o de Tagaste. Logo povoado de almas eleitas sob a direção de Agostinho, desse celeiro sairiam pelo menos 10 bispos para as dioceses vizinhas.
Apesar de não ser costume na África um sacerdote pregar estando o bispo presente, o bispo Valério incumbiu Agostinho de fazê-lo, e suas pregações tiveram sucesso imediato. Não se podia resistir à força de sua argumentação nem à unção de suas palavras. Ele combatia sobretudo o maniqueísmo, que conhecia bem. Num debate público com Fortunato, um de seus corifeus, de tal maneira o arrasou, que este teve que abandonar Hipona.
Combateu inimigos da fé, desarmou infiéis
O bispo Valério, considerando o valor de Agostinho, temeu perdê-lo para outra diocese. Por isso, pediu ao Primaz de Cartago que o nomeasse seu bispo-auxiliar com direito à sucessão. Mais uma vez Agostinho teve que se curvar ante a vontade da Providência. Pouco depois, com a morte de Valério, tomou posse da direção da diocese. Mas quis que em seu palácio se observasse a regularidade religiosa, para que tivessem mais eficiência seus trabalhos apostólicos.
O santo bispo de Hipona foi um dos maiores defensores da ortodoxia em seu tempo tumultuado por heresias, combatendo-as com a palavra e com a pena. Depois dos maniqueístas, combateu as heresias dos pricilianistas e dos donatistas, tão poderosos na África, onde já haviam infectado mais de quatrocentos prelados e combatiam os fiéis católicos a ferro e fogo. Agostinho obteve auxílio do Imperador Honório para a erradicação de tão perniciosos elementos.
Combateu também as heresias dos pelagianos, dos semi-pelagianos e dos arianos, vindos com a invasão dos godos. “Enfim, Santo Agostinho não se contentou em combater os inimigos da fé e desarmar os infiéis, os hereges, os libertinos e os cismáticos. Quis trabalhar ainda mais pela Igreja, pois, além das obras polêmicas que compôs, redigiu tratados para todos os estados da vida civil e cristã. Os casados, os viúvos, as virgens, os regulares, os eclesiásticos e os leigos encontram em seus livros as mais sólidas máximas para sua conduta. [...] Traçou os preceitos da gramática para as crianças; compôs uma retórica para os oradores; explicou as categorias para os filósofos; procurou, com muito trabalho e exatidão, o que havia de mais raro na Antigüidade para os curiosos; escreveu volumes inteiros de teologia positiva para os pregadores; tratou, com uma penetração maravilhosa, os mistérios da Religião: a Trindade, as processões divinas, a Encarnação, a predestinação e a graça, para os teólogos; deixou para os místicos meditações todas de fogo e sublimes contemplações; forneceu grande quantidade de belas leis para os jurisconsultos; em uma palavra, enriqueceu a Igreja com inumeráveis escritos, armas temíveis e invencíveis para derrubar aqueles que tentassem atacá-la”[6].
Enfim, em 430 os bárbaros vândalos invadiram o norte da África e cercaram Hipona. Consumido pela tristeza, pois via naquilo a mão de Deus que castigava, Agostinho foi vitimado por uma febre que o prostrou ao leito. Tendo sempre presente sua anterior vida pecaminosa, mandou que escrevessem na parede de seu quarto os salmos penitenciais, para os ter diante dos olhos o tempo todo, até entregar sua compungida e nobre alma a Deus, a 28 de agosto de 430[7]. Mereceu o glorioso nome de Doutor e defensor da graça, pela refutação que fez à doutrina errônea da graça, pregada pelo pelagianismo[8].
Plinio Maria Solimeo
[1] Confissões, Edições Paulinas, 2a edição,1984, Livro II, 1, p. 43.
[2] Id., Livro III, 6, p. 65.
[3] Id., Livro V, 13, p. 116.
[4] Encyclopédie Accueil, Données encyclopédiques, copyright © 2001 Hachette Multimédia / Hachette Livre.
[5] Eugène Portalié, The Catholic Encyclopedia, Volume II, Transcribed by Dave Ofstead, Copyright © 1907 by Robert Appleton Company, Online Edition Copyright © 2003 by Kevin Knight.
[6] Les Petits Bollandistes, Vies des Saints d’après le Père Giry, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo 10º, p. 306.
[7] Obra também consultada: San Agustin, obispo de Hipona, adaptado de Vidas de los Santos de Butler. Versão eletrônica das Siervas de los Corazones Traspasados de Jesús y Maria, SCTJM.
[8] Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Editorial A.O., Braga, 1987, Santo Agostinho, 28 de agosto, tomo II, p. 600.
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