quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

JOÃO TEÓFANO VÉNARD
Missionário, Mártir, Santo
1829-1861

O martírio de um conterrâneo lhe causa uma santa inveja

João Teófano nasceu em 21 de Novembro de 1829 em Saint-Loup-sur-Thouet, na diocese de Poitiers, na França. Era o segundo entre quatro irmãos (Melânia, Teófano, Henrique e Eusébio). Contava ele nove anos quando lhe chegou às mãos um livreto no qual era relatada a vida e morte de São João Carlos Cornay, missionário martirizado pouco antes em Tonkin (região na qual se localiza a cidade de Hanói, e que se estendia por áreas geográficas que na actualidade pertencem à China, ao Laos, e ao Vietnam). O mártir, nascido também na França em uma localidade situada a trinta quilómetros de Saint-Loup (também diocese de Poitiers), tivera seu corpo cortado em pedaços, e sua história fez o pequeno Teófano entusiasmar-se com a leitura: “também quero ir para Tonkin; também quero ser mártir”, almejava.

Decide-se pela vida sacerdotal

Abrindo a alma ao seu pai, cristão exemplar, Teófano manifestou seu desejo de tornar-se padre, e iniciou seus estudos em Doué, cinquenta quilómetros ao norte de onde sua família residia. Durante os estudos perdeu sua mãe, cuja morte deu-se em 1843. Sua irmã mais velha, Melânia, ocuparia o lugar da falecida mãe para receber os afectos de Teófano, inexistindo segredos entre ambos, porém a influência mais profunda no grupo familiar era exercida pelo pai, o que emana do eloquente epistolário que sobreviveu ao martírio do santo sacerdote.

Entra nas Missões Estrangeiras

Já próximo ao fim dos estudos necessários à ordenação presbiteral Teófano migrou para as Missões Estrangeiras de Paris, de onde partiam missionários para a Índia e para o Extremo Oriente. Corria o ano de 1851 quando o jovem clérigo pediu ao pai permissão para se tornar missionário: apesar da dor, o temperamento cristão do Sr. Vénard o fez conformar-se com a vontade de Deus. Teófano partiu, juntamente com outros missionários, tendo ao fim da Missa de despedida os pés beijados pelo superior e pelas demais pessoas presentes, ocasião solene em que os futuros mártires eram venerados por antecipação (já que o esperado para todos era o martírio, sendo excepcional a morte por causas orgânicas/naturais nas terras de missão).

Alegria do sacerdócio

Deus estava no meio de nós, e com cada um de nós”, dizia o recém-ordenado Pe. Teófano em carta que enviou a seu pai e aos irmãos Melânia e Henrique após celebrar sua primeira Missa na festa da Santíssima Trindade, em 6 de Junho de 1852. “Amanhã pela manhã irei, com meus colegas, os novos padres, consagrar o sacerdócio a Nossa Senhora das Vitórias e a Ela agradecer por ter-me levado à ordenação”, acrescentou. Mesmo fazendo parte de uma família muito unida, nenhum parente de Teófano pôde comparecer à sua ordenação presbiteral, o que prefigurava, de certa forma, a separação que faz parte da vida de todo missionário. “Pensei em vocês, o que farei sempre que oferecer o Santo Sacrifício”, escreveu alegre ao mesmo tempo em que lhes enviava a bênção.

Actua clandestinamente como sacerdote missionário em Tonkin

Destinado inicialmente à China, Teófano foi depois direccionado ao desejado Tonkin, exercendo por alguns anos o seu ministério clandestinamente sob as ordens de Mons. Retord, vigário apostólico. Porém a perseguição religiosa se intensificava, e os seminaristas locais tiveram de se dispersar, mas apesar das dificuldades Teófano dava apoio ao ensino religioso, ministrava os sacramentos do Baptismo, Eucaristia, Reconciliação, Matrimónio e Unção dos Enfermos, além da Confirmação para o que recebera delegação do vigário apostólico, o qual não tinha condições de atender pessoalmente a todo o rebanho que lhe fora confiado. Diversas vezes Teófano teve de se ocultar, chegando a ficar escondido em um minúsculo compartimento sob uma casa, evitando qualquer mínimo ruído para não ser encontrado. Mas uma traição fez findar sua “liberdade”, palavra inapropriada para se referir às condições em que perigosa mas voluntariamente exercia sua ação missionária.

Informa sua prisão à família

Em Dezembro de 1860 comunicou sua prisão à família: “O bom Deus, em sua misericórdia, permitiu que eu caísse nas mãos dos maus. Foi no dia de Santo André [30 de Novembro] que fui posto em uma jaula [gaiola feita de bambu] que foi levada à subprefeitura, onde traço essas linhas com muita dificuldade, pois tenho apenas um pincel para escrever. Amanhã, 4 de Dezembro, serei levado à prefeitura; ignoro o que me está reservado. Mas nada temo: a graça do Altíssimo está comigo. Maria Imaculada não deixará de proteger seu mísero servidor”.
Em 2 de Janeiro seguinte escrevia Teófano, também aos familiares: “Escrevo-lhes no início deste ano que será, sem dúvida, o último de minha peregrinação pela Terra. Já lhes escrevi um bilhetinho pelo qual lhes fiz saber de minha prisão em 30 de Novembro, dia de Santo André, em uma aldeia cristã. O bom Deus permitiu que eu fosse traído por um mau cristão”. Sobre a cadeia que lhe atou o pescoço e as pernas, disse Teófano que “eu a beijei, bela cadeia de ferro, verdadeira corrente de escravidão a Jesus e Maria, que eu não trocaria por seu peso em ouro”.

Interrogado por um juiz

Na mesa carta o futuro mártir descreve seu interrogatório no tribunal de justiça criminal, para o qual invocou o Espírito Santo a fim de fortificá-lo e para falar por sua boca conforme prometera Jesus. Após servir uma taça de chá, o juiz perguntou de onde ele era, tendo por resposta “do grande Ocidente, do reino chamado França”.
– Que vieste fazer aqui em Anam [nome da região, actual Vietnam]?
– Vim unicamente para pregar a verdadeira religião àqueles que não a conhecem.
– Que idade tens?
– Trinta e um anos.
O juiz comentou, com um toque de pena: ‘é ainda bem jovem’, e em seguida indagou:
– Quem te enviou
– Nem o rei nem os mandarins da França me enviaram. Foi meu chefe que me disse para pregar aos pagãos, e meus superiores na religião que me destinaram o reino anamita como distrito.

Com inspiradas palavras despede-se dos familiares

Nessa carta de 2 de Janeiro Teófano despede-se dos familiares, mas o faz novamente em nova correspondência datada de 20 de Janeiro endereçada ao pai: “Caríssimo, honradíssimo e bem amado pai; como minha sentença ainda está em espera, quero lhe enviar um novo adeus, que será provavelmente o último”. E acrescenta que “desde o grande mandarim até o último soldado, todos lamentam que a lei do reino me condene à morte”. Informa que “não pude sofrer torturas, como muitos de meus irmãos. Um rápido golpe de sabre separará minha cabeça, como uma flor primaveril que o dono do jardim recolhe para seu prazer. Somos todos flores plantadas nesta terra que Deus colhe no tempo apropriado, por vezes mais cedo, outras vezes mais tarde. Uma é a rosa avermelhada, outra o lírio virginal e outra é a humilde violeta.  Tratemos de agradar, conforme o perfume ou o aspecto que nos foram dados, ao soberano Senhor e Mestre”.
Na mesma data escreve ele à sua irmã Melânia: “Já é quase meia noite. Perto de minha jaula há lanças e longos sabres, e em um canto da sala alguns soldados jogam dados. De tempo em tempo sentinelas batem um tambor. A dois metros de mim, uma lâmpada [de óleo] projecta sua luz vacilante sobre minha folha de papel chinês e me permite traçar estas linhas. Espero dia a dia minha sentença. Talvez amanhã eu seja conduzido à morte. Feliz morte, não é? Morte desejada, que conduz à vida. Segundo todas as probabilidades terei a cabeça cortada: desonra gloriosa da qual o céu será o prémio. A essa notícia, cara irmã, chorarás, mas de felicidade. Veja então teu irmão, com a auréola dos mártires coroando-lhe a cabeça, a palma dos que triunfam levantada nas mãos! Mais um pouco e minha alma deixará a Terra, findará seu exílio, terminará seu combate. Subo ao céu, alcançando a pátria, ganharei a vitória. Entrarei nessa residência dos eleitos, vendo as belezas que o olho do homem nunca viu, ouvindo as harmonias que o ouvido nunca escutou, desfrutando das delícias que o coração jamais provou”.
A um irmão, escreveu Teófano no mesmo dia: “Caro Eusébio, amei e ainda amo esse povo anamita [vietnamita] com um amor ardente. Se Deus me tivesse dado longos anos, creio que eu me consagraria inteiramente, corpo e alma, à edificação da Igreja tonquinense [de Tonkin]. Se minha saúde, fraca como uma palha, não me permitiu grandes obras, tenho pelo menos o coração nesse trabalho. Dizemos: ‘o homem propõe e Deus dispõe’. A vida e a morte estão em Suas mãos; se Ele nos dá a vida, vivamos para Ele; se nos dá a morte, morramos para Ele”.  E ao outro irmão, Henrique, também na mesma data (20 de Janeiro de 1861) dirigiu Teófano edificantes conselhos: “Eras ainda bem jovem quando me destes o adeus. Talvez teu espírito tenha seguido as coisas da época e ideias mundanas, e buscado, com falsos amigos, a felicidade onde ela não existe. O coração do homem é grande demais para que as falsas e passageiras alegrias daqui de baixo o satisfaçam. Meu caro Henrique, não uses a tua vida nas inutilidades do mundo. Tu tens agora vinte e nove anos. É a idade do homem. Sê, portanto, um homem. Resistir às inclinações da carne e à escravidão do espírito, mantendo-se atento contra as ciladas do demônio e os prestígios do mundo, observando os preceitos da religião: eis o que é ser um homem. Não agir assim é ser um animal”.

Últimos momentos de vida

Preso, aguardando o martírio, recebeu diversas vezes a Eucaristia, que lhe era levada por uma piedosa cristã. A sentença de morte foi pronunciada pelo imperador Tu-Duc, tendo a decapitação sido feita no alvorecer de 2 de Fevereiro de 1861, dia de uma festividade mariana. Precedendo a execução, foi lido o documento condenatório, e Teófano pôde fazer algumas considerações, afirmando que ele não estava ali pregando uma religião falsa. Pessoas presentes pediram-lhe que não voltasse após a morte para se vingar sobre elas, pedido que ele gentilmente aceitou, tranquilizando-as.
Chegando o momento final, mais um sofrimento foi imposto a Teófano: o carrasco, desastrado, não desferiu o golpe com habilidade, tendo que repeti-lo mais quatro vezes. A cabeça, exposta por três dias, foi lançada ao rio, sendo depois encontrada.  Beatificado por São Pio X, Teófano foi canonizado por João Paulo II em 1988.
Teófano – cujo nome significa “manifestação de Deus – foi muito admirado por Santa Teresinha do Menino Jesus, que em meio aos sofrimentos da doença que lhe precedeu a morte teve o consolo de receber uma estampa e uma relíquia do missionário mártir. Na Basílica-Santuário da Padroeira das Missões, em Lisieux, uma capela é dedicada ao mártir a quem ela venerava e também invejava.
Os 117 mártires do Vietnam assim morreram: 75 decapitados, 22 estrangulados, seis queimados, cinco esquartejados, e nove mortos nas prisões como consequência das torturas.

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