sexta-feira, 26 de agosto de 2011

MICAELA DO SANTISSIMO SACRAMENTO

Religiosa, Fundadora, Santa
1809-1865


Micaela do Santíssimo Sacramento, fundadora das Adoradoras, é uma das glórias mais puras da Espanha no século XIX. Nasceu em Madrid, em 1809, quando seu pai combatia, como valente militar, contra os soldados de Napoleão.
Começou a ser educada pela mãe, que se mostrava austera. Teve de aprender a cozinhar e a brunir «por causa do que viesse a acontecer»; a pintar, a bordar e a tocar vários instrumentos. Tudo lhe serviu para executar mais tarde os planos de Deus no posto que lhe fixara na Igreja. Foi aluna também das Ursulinas de Pau, França, que, a respeito de romances, manifestavam o mesmo rigor que sua mãe. Dizia ela depois: «Se alguma coisa, por ser boa, me davam, nunca terminava de a ler, porque dizia comigo: se isto é mentira, não sucedeu».
Aos 30 anos perdeu a mãe e ficou herdeira do título de Viscondessa de Jorbalán. Onde quer que esteve, sobressaiu sempre pelo coração grande e caritativo. Em Guadalajara, primeiro criou e sustentou uma escola para 12 crianças, a quem alimentava e vestia. Em 1834 fundou, em Madrid, os grupos de socorro domiciliar e mais tarde o asilo de arrependidas. Para ajudar o irmão, embaixador em Paris, teve de transferir-se para lá, onde se distinguiu pelo desprendimento. Nos terríveis dias de 1847, a sua caridade raiou no heroísmo porque, mesmo tendo de atravessar fossos e barricadas, visitava os pobres e doentes. Na Bélgica, aonde passou em seguida, vestiu, contra a oposição da família, o hábito de Irmã da Caridade.
Em 1848 vemo-la em Madrid, tratando sobretudo do asilo de arrependidas, que será a sua obra máxima. Vivia ainda neste tempo duma maneira muito original: «De manhã, em obras de caridade; o resto do dia, em visitas, passeios a cavalo ou de carro; e à noite, no teatro, em reuniões e baile. Acrescente-se a isto o luxo excessivo e o primor na mesa». Mas ela mesma nos diz que no teatro usava, debaixo da seda, de ásperos cilícios ou não fazia caso de nada, olhando para a cena com óculos sem vidros. Tinha um cavalo que lhe era muito querido pela fidelidade e elegância. Mas notou que a assaltava a vaidade quando montava nele: «Envergonhei-me de amar tanto o meu cavalo e, para suprimir este apego a uma coisa terrena, mandei-o vender na feira».
Quando voltou a Espanha, em 1848, já tinha voto de repartir os bens com os pobres e fazer tudo o que reconhecesse como vontade de Deus. Mas vestia com luxo. Um dia aproximou-se do confessionário e o padre, que ouviu o ciciar das sedas, disse-lhe inspirado: «Vem a senhora demasiado oca para pedir perdão a Deus». «São as saias», disse ela. «Pois arranje outras», replicou o sacerdote. E obedeceu. «No dia seguinte apresentei-me feita uma saloia; a gente olhava para mim admirada. Passei uma vergonhaça, mas a obediência foi sempre natural em mim». «Como vem tão ridícula?», disse o padre. «Tire as sedas e vista-se como essas senhoras virtuosas que vê na igreja». Naquele mesmo dia ordenou Micaela que lhe fizessem um vestido de lã, preto e simples.
À medida que se desprende do mundo, vai-se unindo mais à sua obra das recolhidas. Em 1850 passa a viver com elas. O mundo ri-se e toma-a por doida. Nos círculos da nobreza, no palácio real, fala-se dela e sempre para a ridicularizar, para a caluniar e desprezar. Um primo seu, mordomo no palácio, diz um dia diante da Rainha que a sua parenta, a Viscondessa de Jorbalán, endoideceu. Isabel II acreditou à letra e, falando com a duquesa de Gor, disse, compadecendo-se de Micaela: «Como endoideceu?» ― «Senhora, não está doida» ― «Mas, todos o dizem». ― «É que se meteu a salvar raparigas de má vida e por isso chamam-lhe doida, mas não está doida, está muito assisada e é uma santa».
«Diga-lhe que apareça, que a desejo ver». E desde então houve estreita comunicação entre a Viscondessa e a Rainha.
Enquanto os homens a desprestigiavam e criticavam, Deus estava com ela. Tinha graça especial para tratar com aquelas jovens desgraçadas, que o mundo lançava na rua, como quem lança a ponta dum charuto. Umas vezes era um acto de energia, outras acto de humildade, mas sempre triunfava e se impunha. A uma jovem que se vai embora, pergunta-lhe para onde segue. Respondendo-lhe ela que para uma casa de mau viver, a Santa deu-lhe um bofetão. «Só minha mãe me castigou assim», disse a fugitiva, lançan­do-se-lhe aos pés. «Eu vou obedecer à senhora como a ela. Se minha mãe não tivesse morrido, não me teria perdido».
Outro dia, lança-se a Viscondessa aos pés duma rapariga arisca, rebelde, beija-lhos e desarma-a. «Se tu não me faltares, eu não te abandonarei», tinha-lhe dito. E Deus este­ve sempre com ela. Uma luz superior dizia-lhe a cada momento o que tinha de fazer e avisava-a dos perigos. Um dia, encontra-se com uma jovem, dá-lhe umas pancadinhas no ombro e leva-a ao seu quarto: «Que leva nesses bolsos?» ― «Nada» ― «Mesmo nada? Você traz veneno». Assim era, de facto; a rapariga projectava envenenar a Superiora, na hora de lhe preparar o café.
A obra de Santa Micaela foi-se impondo em toda a parte. Ao morrer, deixou uma grande família religiosa com o nome de Senhoras Adoradoras e Escravas do Santíssimo Sacramento, e sete colégios de desamparadas nas principais cidades de Espanha. Passou dez anos de luta e cinco de actividade construtiva.
No Verão de 1865 chegou a Madrid a notícia de várias religiosas da casa de Valência terem sido atacadas pela cólera. A Fundadora decidiu imediatamente ir lá, para consolar e alegrar as suas filhas. Todas se opõem, temendo pela sorte da Madre. Ela insiste todavia e vai. «Os que fazemos as coisas de Deus não temos medo da morte». Dez dias depois de chegar, sentiu-se atacada pela cólera e morreu a 24 de Agosto de 1865. A sua morte foi o holocausto da caridade.

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